Em menos de três meses o país virou de ponta cabeça. Junto com ele, evidentemente, cada um de nós. Diz-se que “depois da tempestade, vem a bonança”. A pandemia do novo coronavírus parece ter invertido a lógica. Após a “bonança” do Carnaval, vivemos uma “tempestade” ainda sem data para acabar. Foram semanas de comércios fechados, serviços suspensos, aulas canceladas, famílias afastadas, amigos e colegas de trabalho isolados, planos alterados e medo instalado. E, agora, algumas regiões do país ensaiam uma volta ao normal. Normal? Distância de dois metros entre as pessoas, beijos e abraços cancelados, uso de máscaras obrigatório, medidores de temperatura na porta de estabelecimentos, ‘banhos’ de álcool em gel, aglomerações proibidas. Só o medo parece imutável — segue instalado. Sem remédio com eficácia 100% garantida ou vacina disponível, o vírus continua sendo ameaça global. E como ficam nossas vidas? “Uma readaptação, inclusive de atitudes básicas, jamais antes pensada, imaginada ou vista”, resume a psicóloga Rita Moraes.

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| Foto: iStock

Para ela, os próximos meses vão aprofundar a busca de um novo padrão de rotinas que possa garantir nossa sobrevivência. “Cada um reage de uma forma aos acontecimentos que temos enfrentado. Alguns com racionalidade, outros com desconfiança, há quem vá pelo caminho das paranoias, o medo em maior ou menor escala, temos até negacionistas, mas as consequências da pandemia acabam atingindo toda a sociedade, querendo ou não, já que dela derivam políticas e regras que valem para todos”, avalia. Desde o final de abril, por exemplo, o uso de máscaras passou a ser obrigatório no Paraná, com multa em caso de descumprimento. Segundo Rita, é preciso entender e se adaptar. “Claro que é chato. Tudo que, de uma hora para outra, traz mudanças radicais e impostas nas nossas rotinas, é desagradável. Mas, no momento, não há outra alternativa. O mais sensato é tentar se adaptar, talvez até encontrar pontos positivos nessas implicações, se houver e se puder, claro, e não perder a esperança de que vamos superar tudo isso”, sugere.

A busca por aspectos positivos também é apontada pela antropóloga Maria Cristina Neves como importante. “É uma situação ruim, que isso fique claro. Tem gente morrendo, famílias sofrendo, negócios fechando, empregos sendo perdidos, sonhos adiados e tudo mais. Então, primeiro, é preciso ter essa consciência. Superado isso, talvez haja aspectos que possam trazer mudanças positivas importantes e que, passada a pandemia, tenham sido fatores de crescimento pessoal para um indivíduo”, avalia. “Sofrer todos vamos, a diferença está na forma que esse sofrimento vai ser encarado”, complementa Maria Cristina. Como exemplos, ela cita empresas e indústrias que passaram temporariamente a produzir equipamentos de proteção individual, como máscaras e aventais hospitalares, profissionais autônomos apostando em treinamentos e serviços online, lojas que migraram para e-commerce e trabalhadores que aproveitam o tempo extra em casa para cursos e formações à distância. “Mas é uma bolha, na qual pessoas com melhores condições de vida estão e têm mais oportunidades. Por isso, as políticas sociais emergenciais são tão importantes nesse momento”, pondera.

A forma de trabalhar no futuro já tem sido discutida em várias empresas. A adoção “às pressas” do home office, em muitas delas, mostrou que o trabalho remoto é possível. Levantamento divulgado pela consultoria e auditoria Grant Thornton apontou que 54% dos profissionais brasileiros, atualmente em teletrabalho, afirmaram que vão pedir a continuidade da modalidade após a pandemia. “O que vemos, considerando um contexto de isolamento social, é que a experiência com home office gerou novas percepções, para indivíduos e empresas. Mas não se sabe ainda como as mudanças de agora seguirão depois”, afirma o coordenador da pesquisa, Fabian Salum.

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No comércio, lojas e marcas seguem na busca por novas e criativas formas de chegar ao consumidor. No Dia das Mães, diversos shoppings apostaram nas vendas online e por aplicativos, como o Whatsapp, com a retirada dos produtos em drive thru. Nos próximos meses, a nova forma de vender deve se manter em alta, aposta o empresário Rogério Marques. Dono de um outlet de roupas e acessórios, ele conta que precisou apressar a adoção do e-commerce. “Já vínhamos criando nossa plataforma virtual desde o segundo semestre do ano passado, mas só 30% dos produtos estavam disponíveis para as vendas online. Para colocar o restante, tivemos que correr contra o relógio, criando ainda estratégias de publicidade e marketing em apenas poucos dias. As vendas ainda estão em crescimento, abaixo do que eram antes, mas agora estamos em uma vitrine muito maior, podendo vender para todo o país e não só no bairro ou na cidade”, avalia.

A cultura deve ser uma das mais impactadas. Com shows e outras apresentações suspensas indefinidamente para evitar aglomerações, o setor tenta resistir com lives e outras alternativas online. Algumas podem persistir no futuro. “Só o tempo vai dizer se essas iniciativas remotas são passageiras ou não, mas muitos artistas podem explorar mais esse formato virtual num cenário pós-pandemia. É momento para se testar hipóteses, inovar e se aproximar do público, com um olho no amanhã, embora a área deve ser uma das últimas a retomar a normalidade”, prevê a produtora de eventos Isabela Cavalcante.

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Incertezas também na área da saúde. Nos hospitais, a atenção deve seguir redobrada. E o caos enfrentado traz um recado claro aos governos: a necessidade da elaboração de planos para enfrentamento de crises sanitárias. Entre a população, a tendência é que a grande maioria preserve os cuidados de higiene, como lavagem das mãos e limpeza dos alimentos. Mas, para o epidemiologista Celso Silva, a falta de engajamento, informação e de condições financeiras seguem como um grande obstáculo no Brasil. "Há áreas sem saneamento básico, sem água. Será que isso muda? E, dia desses, em um programa de televisão sobre o coronavírus, um cidadão mandou mensagem perguntando se, passada a pandemia, era para continuar lavando as mãos. Parece uma piada, mas quem está na ponta, no contato direto e diário com a população, sabe as dificuldades que enfrentamos com o básico", alerta. "A saúde passa também pela educação das pessoas e a pandemia pode ser um divisor de águas nessa questão, se a sociedade se envolver objetivamente", conclui.

A verdade é que, enquanto a “tempestade” não for embora, nossas vidas seguirão em uma grande instabilidade. “Adaptação é a chave. Sem medo, mas com atenção, seriedade e respeito aos outros e à própria saúde. Estudos sobre vacinas são promissores, mas devem levar ainda alguns meses para algo concreto. Como falei, é tudo muito chato e perturbador. Só que brigar com a realidade não traz muito resultado, então quem tiver mais força de adaptação vai se sair melhor de tudo isso”, avalia a psicóloga Rita Moraes. Maria Cristina concorda. “Aquele mundo de antes da pandemia não existe mais, pelo menos por enquanto. Vamos passar por dias exaustivos e complicados ainda, com grandes restrições, mas acredito em um final feliz. Só não sabemos quando ele vem”, pontua a antropóloga. Portanto, é preciso resiliência à espera da nova “bonança”.