O dia corria normalmente em maio para a fisioterapeuta Rosana Guedes, quando uma mensagem vinda pelo WhatsApp interrompeu seu trabalho. Pelo aplicativo, uma prima pedia ajuda para pagar a costureira, porque “meu limite de transações ultrapassou hoje” — palavras escritas pela suposta parente. “Era uma foto da minha prima, disse que estava usando o celular corporativo, tudo parecia bem real. Como ela disse que no dia seguinte me retornaria o valor, que queria apenas pagar naquele dia para não ficar chato com a costureira que era humilde, não vi problema em ajudar”, explica. Só que a prima nem sabia de nada disso. Do outro lado estava, na verdade, um golpista, que pediu uma transferência via Pix de R$ 800 para uma pessoa de nome “Marlene”. “Achei que era a costureira e mandei. No outro dia fui passar meu CPF pra ela enviar o dinheiro de volta e havia a foto de um homem no WhatsApp”, recorda Guedes. A foto, provavelmente, já era de outra pessoa clonada pelos bandidos. Foi aí que ela resolveu ligar para a prima que, no começo, achou até que fosse brincadeira. “Fiquei sem chão. A gente sempre lê sobre esses casos, mas nunca acha que vai acontecer com a gente. Como foi em um horário de trabalho, na correria, você nem para pra pensar muito. Depois senti um misto de raiva e constrangimento”, desabafa a fisioterapeuta, que entrou com uma reclamação no banco destinatário do valor buscando a devolução. O processo segue em análise, ainda sem desfecho.

Imagem ilustrativa da imagem O golpe tá aí! Aprenda como você pode se prevenir e não cair no 'Pixfish'
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Casos como o de Guedes se multiplicaram nos últimos anos, mesmo antes do surgimento do Pix, e vão desde páginas falsas, links maliciosos e arquivos com vírus para roubar dados, vendas de produtos super baratos mas que não existem, oportunidades de emprego com pedido de valores para inscrição, heranças milionárias de parentes de fora do Brasil, até comunicados de instituições pedindo a confirmação de dados ou atualização de cadastros. Segundo o especialista em segurança digital, inovação e tecnologia, Mateus Ribeiro, por maior que seja a preocupação das plataformas em evitar que usuários caiam em golpes, além do alto nível de informações sobre situações suspeitas que ocorrem dia a dia, muita gente ainda é alvo fácil de estelionatários. “No tempo dos nossos avós era o golpe do bilhete premiado, por exemplo, hoje as coisas são mais digitais. É uma caça de gato e rato. Enquanto você corre para aprimorar a segurança, os bandidos estão duas, três casas na frente encontrando meios de enganar outras pessoas e, infelizmente, tendo êxito”, lamenta.

Para deixar tudo ainda mais dramático e mexer até com o coração alheio, surgiu o “catfish”. O termo em inglês é usado para definir pessoas mal-intencionadas que criam perfis falsos na internet para enganar emocionalmente e, principalmente, financeiramente os usuários.

Segundo o dicionário “Merriam-Webster”, a expressão apareceu em 2010, com o lançamento do documentário “Catfish”, que conta a história de um homem que sofre um golpe financeiro-sentimental. Em uma das cenas do filme, a esposa da vítima faz uma analogia ao caso com uma anedota sobre pescadores que misturam peixes-gato – os catfish – à pesca de bacalhaus para que eles permaneçam em alerta até a chegada à terra firme. Portanto, “catfish” consiste em fingir ser outra pessoa em sites e aplicativos de namoro com fotos e informações de terceiros, a fim de aplicar esquemas diversos em outros usuários da plataforma. A prática ganhou as manchetes nas últimas semanas, quando o caso de Roberto Cazzaniga, jogador italiano de vôlei, veio à tona. Ele tinha um namoro à distância que já durava 15 anos – sim, 15 anos!! – com uma mulher que utilizava as fotos da modelo brasileira Alessandra Ambrósio.

A farsante, na verdade, era Valéria Satta, de 50 anos, desempregada, mãe de dois filhos e que vive na Ilha da Sardenha. Ela adotou o nome “Maya” e, com as fotos falsas, passou a se relacionar com o jogador, fazendo pedidos frequentes de empréstimos de dinheiro. Somadas, as transferências somam mais de 700 mil euros, ou cerca de R$ 4,3 milhões. Como justificativa, “Maya” dizia que passava por problemas cardíacos e precisava de tratamento. Além dos prejuízos financeiros, ficaram as cicatrizes emocionais no jogador. “Mil euros aqui, outros dois mil ali. No final, chegamos a um total de 700 mil. Passado este pesadelo, é como se eu tivesse acordado de um coma que me fez perder décadas de vida”, detalhou o atleta, de 42 anos, durante o programa de televisão “Le Iene”, do canal “Italia 1”, que tornou público o golpe.

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Cazzaniga atua como oposto no New Mater, clube de vôlei da cidade de Castellana Grotte, que disputa a segunda divisão da liga italiana de vôlei. Desconfiados, os colegas passaram a investigar a suposta namorada e reuniram provas da farsa. Tiveram a ajuda da família do jogador, que já não sabia mais o que fazer para que ele acreditasse estar sendo enganado. Apesar do relacionamento ter começado em 2008, os dois jamais se encontraram ao vivo. “Ela deu mil desculpas, como doença e trabalho. E ainda assim me apaixonei por aquela voz, uma chamada telefônica após a outra. O contato era apenas no celular, quase que diariamente. Ligava antes de eu ir treinar ou à noite, na hora de dormir”, contou Cazzaniga ao jornal italiano Corriere Della Sera. Para piorar a história, Valéria, ou “Maya”, entrou na vida de Cazzaniga com a ajuda de uma amiga em comum deles, identificada apenas como Manuela e apontada como uma das envolvidas no esquema. O jogador e a falsa modelo foram apresentados por telefone e, a partir daí, construíram o “relacionamento” sem nunca se verem ao vivo ou utilizar qualquer outro recurso tecnológico que pudesse mostrar que Maya não era Alessandra Ambrósio. Cazzaniga denunciou a estelionatária à polícia e, segundo a imprensa italiana, o caso será encaminhado ao Ministério Público.

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“Esses golpistas se aproveitam da fragilidade emocional e da carência das pessoas. Nós, por instinto, quase sempre queremos ter alguém ao nosso lado, amar e ser amado. E aí os estelionatários criam um clima de acolhimento, de carinho, em que a pessoa se deixa levar, apaixonar. Alguém que antes sofria e, de repente, é correspondida, sente-se amada. Em alguns casos, chegam a brigar com amigos e familiares que tentam passar a história a limpo, tamanho é o envolvimento e a vontade de acreditar que aquilo é real”, explica a psicóloga Maria Rita Moraes.

Para evitar situações assim, o especialista em segurança digital, inovação e tecnologia, Mateus Ribeiro, dá algumas dicas. A primeira é desconfiar se você está conversando com alguém que nunca posta fotos com outras pessoas no perfil. “Se tem fotografias com mais gente, pesquise se as outras pessoas estão marcadas, se estão na lista de seguidores ou costumam comentar as publicações, por exemplo”, sugere. Outro cuidado – que, aliás, deve ser tomado em qualquer situação na internet – é não trocar fotos ou vídeos íntimos. “Muitos golpistas usam isso para extorsão depois”, alerta Ribeiro. Ao conhecer alguém em um aplicativo e se interessar, é fundamental um encontro pessoal. “Às vezes as pessoas moram longe mas, hoje em dia, fazer uma ligação de vídeo é extremamente fácil. Desconfie muito se o interlocutor der desculpas, sempre se negando a uma simples chamada via câmera”, explica o especialista.

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Procurar o nome e foto da pessoa em buscadores, como o Google, e desconfiar se a pessoa pedir dinheiro, também são detalhes importantes. Não abra arquivos enviados pelo suposto golpista e mantenha o antivírus atualizado, já que o arquivo pode estar infectado e roubar dados pessoais e financeiros. “São ações simples e que podem evitar dor de cabeça e até sofrimento sentimental”, aponta Ribeiro, que também sugere cuidados com compras virtuais e outras ações na rede. “Desconfie de preços muito baixos de alguns produtos, pesquise sobre a reputação do site em portais como o ‘Reclame Aqui’, não acredite em promoções que peçam para clicar em links estranhos e evite compartilhar dados pessoais e de cartões de crédito, a menos que tenha certeza de estar em um ambiente seguro. Quanto ao WhatsApp, ao receber o pedido de dinheiro de algum conhecido, principalmente se vier de um ‘número novo’, ligue para a pessoa, tente falar com ela. E, em qualquer dúvida em uma transação ou ação, peça orientação para alguém de confiança, que pode ajudar a descobrir se aquilo é real ou um golpe. E, se o golpe já aconteceu, registre boletim de ocorrência imediatamente e entre em contato com sua instituição financeira”, resume o especialista em segurança digital.

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Moraes complementa pedindo cautela e sangue frio em relação à relacionamentos virtuais. “As paixões geralmente mexem com a gente, cegam, nos criam expectativas, principalmente em uma época emotiva como o fim do ano, festas de Natal, abrindo ainda mais margem para esse tipo de golpe. A internet abriu um grande campo para conhecermos pessoas, expormos nossos sentimentos, buscarmos a felicidade. Mas, desconfie de início, busque saber mais, pergunte sobre a vida da pessoa, vá com calma. E cuidado com histórias mirabolantes, impressionantes. Procure também dividir esse momento com amigos mais próximos, que geralmente acendem um alerta para nós quando algo está errado”, indica a psicóloga.

Mais segurança para o Pix

Novas ferramentas facilitam bloqueio e recuperação de recursos em casos de fraude

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Desde a metade de novembro, duas novidades implantadas pelo Banco Central prometem reduzir drasticamente o número de golpes que utilizam o Pix: o Mecanismo Especial de Devolução (MED) e o Bloqueio Cautelar. Com o Bloqueio Cautelar, se a instituição financeira desconfiar de uma transação via Pix no momento do envio, poderá bloquear a transferência por até 72 horas. Com o dinheiro bloqueado, nem pagador e nem recebedor terão acesso aos recursos da transferência. Assim que a ação ocorrer, ambos serão notificados. Durante os três dias, o departamento de segurança do banco deverá avaliar se a transação é ou não legítima. Caso seja comprovada a fraude nesse período, a vítima não ficará no prejuízo e o dinheiro poderá ser devolvido. Já o Mecanismo Especial de Devolução (MED) do Pix pode ser acionado tanto pela instituição bancária como pela vítima de um suposto golpe. Para usar a funcionalidade, é necessário registrar um boletim de ocorrência e comunicar o ocorrido à sua instituição financeira pelos canais oficiais de atendimento ao cliente. Após a comunicação, a sua instituição bancária utilizará a estrutura do Pix para informar o banco do golpista de que aquela operação pode se tratar de fraude e que os recursos devem ser bloqueados. Os bancos têm, então, até sete dias para avaliar a reclamação e o recebedor, que é notificado do bloqueio, não poderá sacar os recursos durante o período. Com o golpe constatado, o dinheiro volta para a conta do pagador.

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