Imagem ilustrativa da imagem O glossário de 2020: as palavras que tivemos que aprender
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Enquanto os primeiros fogos pipocavam no céu de Sidney, na Austrália, anunciando a chegada de 2020, umas bolinhas microscópicas todas espetadinhas saltavam de umas pessoas para outras nas gotículas de saliva, com o plano de roubar a cena por um bom tempo. A história poderia ser uma fábula, mas como se trata da mais dura e crua realidade precisou ser contada com a objetividade do jornalismo.

Um novo desconhecido das rodas de conversa em todo mundo virou a palavra mais dita no ano que se encerra. Com status de vilão de filme de espionagem, o invisível – mas muito sensível – coronavírus reinou. Ele fez valer seu nome, já que sua superfície, repleta de espículas, lembra uma coroa – que em latim significa “corona”. Mandou e desmandou, fechou tudo, levou líderes poderosos para hospitais e fez que a vida virasse de cabeça para baixo.

Junto com famigerado vírus, uma quantidade incontável de palavras e termos científicos invadiu nosso vocabulário com o pé na porta. Não houve como não aprender o que significa a tal Covid-19, que surgiu num ano em que número 20 apareceu dobrado: o 2020. O nome da doença é a abreviação da forma como é chamada em inglês somada a referência do ano em que os primeiros casos começaram a surgir na China. Em simples explicação, COVID significa COrona VIrus Disease – em tradução literal: doença do Coronavírus.

PANDEMÔNIO

Passados poucos meses, a OMS (Organização Mundial da Saúde), braço da ONU (Organização das Nações Unidas), decretou aquele que seria o segundo termo mais usado em todos os idiomas: pandemia. A situação poderia muito bem ter sido chamada de pandemônio. Mas o imperativo era o uso correto da expressão utilizada em saúde pública. Se formos entender a etimologia do termo, em grego “pan” significa todos e “demos”, povo. Traduzindo para o “popularês”: um problemão que atingiu o mundo inteiro.

Com o caos instalado de leste a oeste, de norte a sul, em cada hemisfério deste planeta redondo – há quem não acredite nisso –, procedimentos foram tomados. Primeiro o tal distanciamento entre as pessoas, que precisa ser de no mínimo dois metros. No entanto, o modelo principal para se manter saudável é o distanciamento social. Isso mesmo: fique longe de qualquer atividade simpática e prazerosa. Adeus festas, jantares, encontros – bom, pelo menos na teoria, porque há quem nunca tenha obedecido a isso.

IH, FALHOU!

Quando a distância necessária precisou ser do trabalho, veio o home office – o tal escritório em casa. Algumas pessoas chamam estranhamente de “homoffice”, mas não importa. Essa palavra serviu para vermos que não temos cadeiras apropriadas, mesas na altura certa e que pentear o cabelo e tirar o pijama se tornaram obrigação apenas quando há reuniões pela câmera. O tempero da nova rotina são as invasões dos demais moradores no fundo do vídeo ou a conexão fraca fragmentando a voz e deixando imagens paralisadas enquanto estão em sua pior expressão.

Tem também as lives, expressão inglesa para o nosso “ao vivo”, que viraram febre. Artistas, projetos de artistas, cientistas, palpiteiros e influenciadores digitais – para listar por baixo – assumiram as rédeas da comunicação e congestionaram as redes virtuais com shows, palestras, apresentações de humor e sessões de fala livre, sem ter nada o que dizer. Surgiram em seguida os memes das lives, diga-se de passagem, a melhor parte. Teve sertanejo saindo de cena com a carroça desgovernada até funkeira caindo na piscina com microfone e tudo.

SOMMELIER

Nem tudo é triste neste período pavoroso de doença, que é combatida por ciência versus negacionistas. Por falar neles, contrariaram até as máscaras tão necessárias. Aliás, passamos a nos tornar especialistas em itens indispensáveis. Desde críticos a modelos de máscaras, que podem ter os mais diversos materiais, formatos e camadas. Seja algodão, TNT (Tecidos Não Tecidos), novos panos com tecnologia antiviral, que podem ser bico de pato, modelo cirúrgico, enfeitadas com escudos de time de futebol ou lisas e sóbrias como o momento pede. Também nos tornamos uma espécie de sommelier de álcool em gel. Com um único toque, conseguimos diferenciar os mais melequentos daqueles que deixam um frescor entre os dedos.

TRANCAFIADOS

Outro termo dramático que entrou nas nossas vidas e nos deixou sem shoppings, lojas, restaurantes e bares por um bom tempo foi o lockdown, que, no mau uso no nosso português, ficou entendido como um baixar portas e fechar lojas, mas na tradução literal significa o confinamento. Esta palavra não precisa de explicação, mas os seus mais diferentes sinônimos servem para expressar a difícil arte de ficar quieto, de preferência em casa, com quem já se vive.

Segundo os dicionários, confinar poderia ser substituído por enclausurar, limitar, internar, separar ou tornar solitário. Tudo o que seria, em princípio, uma quarentena. Literalmente, segundo o Houaiss, o ato significa: “isolamento, por períodos de tempo variáveis, imposto a indivíduos ou cargas procedentes de países em que ocorrem epidemias de doenças contagiosas”. Se no nome o termo indica 40 dias de reclusão, na prática sabemos que o período se impõe por muito, mas muito mais tempo do que gostaríamos.

Verdadeiros especialistas Farmácia

Diplomados, todos nós, em saúde pública, passamos a nos aventurar também no ramo da farmácia e da promessa de um tratamento eficaz para a nova doença. Até hoje parece não haver uma prescrição realmente efetiva. No entanto, logo foi preciso aprender a falar o nome do falso milagreiro fármaco: a Cloroquina. A onda das tentativas para desbancar o vírus foi atrás de um verdadeiro inseticida de pragas humanas. Capaz de deter infestação por piolhos, sarna, oncocercose, estrongiloidíase, tricuríase, ascaridíase e filaríase linfática – sabe Deus o que são coisas tão pavorosas –, a Ivermectina virou hit nas farmácias e chegou a ser encontrada somente sob encomenda.

Outra tentativa causou confusão em muita gente: o Annita, remédio, enquanto o nome da funkeira se escreve com outra letra dobrada, o “t”. Assim como a versão rebolativa se chama Larissa, o remédio sem o nome artístico se chama Nitazoxanida. Ele também é implacável com vermes de nomes saídos de uma guerra interplanetária: Enterobius vermicularis, Ascaris lumbricoides, Strongyloides stercoralis, Ancylostoma duodenale, Necator americanus, Trichuris trichiura, Taenia sp e Hymenolepis nana, amebíase, giardíase, criptosporidíase, blastocistose, balantidíase e isosporíase. Cruzes. Tudo menos o coronavírus.

A única solução até agora possível são as vacinas, que seguem em estudo. Algumas já estão sendo usadas em várias partes do mundo. Aqui tal progresso ainda não chegou. E a tal imunidade de rebanho – olha aí outro termo louco –, que é atingida quando grande parte da população já está imune, parece um sonho cada dia mais longe. E não faltam o medo e a propaganda contrária. Entre tantas incertezas, ainda há quem diga que os imunizantes – sabe-se lá – poderiam fazer crescer barba em mulher ou transformar gente em jacaré. Mas isso é impossível de explicar.