A arte e o entretenimento transforma o medo do fim do mundo em inspiração para criar obras que exercem fascínio em todos e a escatologia ganha ares de cultura. O italiano Michelangelo, por exemplo, pintou um afresco na Capela Sistina retratando o que ele imaginava como o dia do Juízo Final. O filme Melancolia, de Lars Von Trier também é uma visão de um artista sobre esse momento fatídico, desta vez para as telas de cinema. Na TV a novela "Fim do Mundo", escrita por Dias Gomes, exibida em 1996 pela Globo, mexeu tanto com as pessoas com as imagens do inferno que naquele ano houve aumento de pessoas que foram às igrejas se confessar.

Imagem ilustrativa da imagem O fim do mundo como inspiração para criar a arte

Assim como eles, várias pessoas transformaram suas angústias em arte. Em Londrina, o diretor Leonardo Ramos, do Ballet de Londrina, criou em 2017 a peça “Oração pelo fim do mundo”, que foi classificado pelo próprio diretor como “um grito de descrença pelo que resultou da humanidade”. Com o elenco de 12 bailarinos, Ramos pesquisou temas que norteiam a convivência humana nos últimos tempos e constatou que muitos dos problemas que se acirraram no presente são também atemporais. O espetáculo levanta questões como o preconceito, a intolerância, o ataque às minorias, a violência, o bullying, as guerras, o ódio e o genocídio. Referências às religiões aparecem na coreografia para lembrar que, por mais que elas tentem um percurso de iluminação e caridade, o homem persiste indisposto ao convívio pacífico com seus semelhantes.

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“O título é auto-explicativo. Eu estava rezando pelo fim do mundo. É como se alguém estivesse torcendo pela queda do meteoro, porque o mundo que está aí não me serve mais. Não concordo quando falam que o Brasil tinha virado socialista. Nunca foi. Também não concordo quando dizem que o capitalismo deu certo. Não deu. É hora de achar uma quarta via. Precisamos achar um caminho.”, destacou. Eu não sou petista e não sou anti bolsonarista clássico. Sou antifascista, antirracista. Sou vegano e acho que o mundo precisa achar um outro caminho para tudo que a gente está vivendo e isso é a prova de que ele está errado”, apontou.

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“Esse fim do mundo da peça não é decorrente de um tsunami, ou meteoro ou outro evento apocalíptico. Eu sou vegetariano e acredito na questão ecológica, que a gente precisa poupar água e precisa de fontes de energias renováveis. Quando encenamos a peça jamais imaginaria viver o que estamos vivendo hoje”, destacou.

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“Não sei como a peça será vista depois de que tudo isso passar. Parece premonição. Quando fiz Oração estava muito incomodado com o mundo. Movimento político à parte, queria mostrar a movimentação da sociedade que não é mais tolerante, não tolera diferença de opinião, não tolera diferenças de gênero. Tem um coreógrafo alemão chamado Kurt Jooss que descreveu em uma peça de 1930 tudo o que aconteceria na Segunda Guerra Mundial. Na peça Green Table (A Mesa Verde) um músico judeu alemão foi preso e eu considero uma das melhores obras da história da dança. Talvez a melhor. Ela é muito importante para identificação de uma linguagem estética de comunicação. É diferente de qualquer outra linguagem”, destacou. “A arte tem a capacidade de propor uma utopia. De propor um amanhã. Em Oração há casos do racismo, as questões das invasões nas favelas e a maneira como o ser humano se comporta desde a caverna. É uma questão a se refletir nesse momento de isolamento e de pânico. Nossa relação está sendo colocada à prova”, apontou.

“Atualmente a democracia se transformou em democratismo, em que a opinião do outro não vale se não concordar com o que o sujeito pensa. As pessoas defendem os princípios da democracia ao mesmo tempo em que produzem fake news. Soltam fogos em prédios que balizam a sociedade democrática”, criticou.

Ele relatou que nesse período de pandemia a companhia de dança está trabalhando cada um em sua casa e está em fase de pesquisa para a produção da peça “Admirável Mundo Novo”. Questionado se será inspirada no livro homônimo de Aldous Huxley, Ramos disse que ainda está em fase de pesquisa e que ainda não tem ideia disso. “A gente não sabe, enquanto sociedade, se esse novo mundo será admirável. Pode ser pior. A perspectiva da peça é de tentar entender o mundo que a gente está vivendo”, apontou.