A concepção de que determinado comportamento molda uma geração já é algo difundido em estudos e pesquisas, além de ser utilizado em estratégias de marketing e comunicação. Recentemente, a discussão entre o que é aceitável e o que é constrangedor - ou “cringe” - entre a geração Z (os nascidos em 1995 até 2010) e os millennials (nascidos entre 1980 e 1994) tem repercutido e gerado vários “memes” nas redes. Tomar café da manhã, gostar da saga Harry Potter e usar calça jeans skinny são alguns dos costumes dos millennials considerados cringe para a geração Z.

Imagem ilustrativa da imagem “Muito além de dancinhas no tiktok” como a geração Z se prepara para mudar o nosso futuro
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Conhecida como a geração dos nativos digitais, a geração Z já nasceu exposta à tecnologia. O uso das redes sociais e dos aplicativos faz desses jovens pessoas com personalidades mais fluidas e abertos a novas experiências. Segundo a psicóloga Giselda Aparecida Moro, o fato de já terem nascido conectados faz com que essa geração seja mais imediatista e pragmática no desenvolvimento de suas atividades. Além disso, observa que “o respeito, a individualidade e a compreensão das diferenças é bem marcante nessa geração”.

O fenômeno da globalização, intensificado pela internet, diminui as fronteiras, facilitando o diálogo e a comunicação desses jovens, como já percebeu Yuri Teixeira dos Santos, de 13 anos, que admitiu ter feito vários amigos online. Para ele, assim como para a maioria dessa geração, já não é possível imaginar o mundo de hoje sem internet, a qual tornou-se uma ferramenta essencial e que, nas palavras do estudante, “contribui positivamente para uma forma mais simples de comunicação, além de facilitar para fazer mais amizades, tanto em uma área local, quanto em outras cidades ou países”.

Yuri Teixeira dos Santos (13 anos) vê na tecnologia uma ferramenta essencial e indispensável
Yuri Teixeira dos Santos (13 anos) vê na tecnologia uma ferramenta essencial e indispensável | Foto: Arquivo Pessoal

O meio digital também influencia no conteúdo consumido por essa geração. Segundo a última análise da geração Z feita pelo Think with Google em 2019, esse grupo é, muitas vezes, responsável pela produção do próprio conteúdo consumido, criando um fenômeno chamado cultura de ecossistemas. Esse fenômeno consiste em ampliar o alcance de um assunto ou produto original. Por exemplo, se um artista publicar um conteúdo novo, a repercussão será muito maior do que o produto original em si, já que os usuários vão discutir sobre isso, compartilhar, reproduzir em forma de paródia, tutorial, reação ou coreografia, criando infinitas ramificações desse ecossistema de reprodução e criação de um novo conteúdo baseado em um original.

“Apesar de toda facilidade e exposição nas redes que essa geração tem, paradoxalmente, a solidão é um sentimento que se apresenta frequentemente entre esses jovens”, alerta a psicóloga. Segundo ela, o fato das relações não serem interpessoais e acontecerem somente através da tela de um celular ou computador, contribui para que as ligações, muitas vezes, sejam superficiais, o que acaba gerando esse paradoxo entre estar conectado e, mesmo assim, sentir-se solitário. Somado a isso, o uso em excesso das redes pode desencadear problemas mais sérios: “qualquer excesso, de alguma maneira, vai ser prejudicial. E o uso das redes e de toda essa tecnologia também. Quando esse uso não é bem administrado, sabe-se que pode desencadear muitos transtornos, como ansiedade e depressão”, explica Moro.

Para entender o porquê desse comportamento e quais os impactos que os jovens da geração Z podem causar no futuro, se faz necessário recorrer à história. O final dos anos 90 até a primeira década dos anos 2000 foi marcado por eventos como crises políticas e econômicas, rupturas, atentados e desastres ambientais, por isso, os jovens nascidos nesse tempo são considerados pragmáticos e realistas. Isso também explica porque eles estão envolvidos em causas sociais, estão engajados sobre o que está acontecendo na sociedade e possuem posições fortes, como é o caso de Letícia Cangussú Campinha. Com 18 anos e cursando direito, Letícia logo afirma: “não considero preconceito tolerável de nenhuma forma”. Segundo ela, é essencial estar em constante aprendizado para ter embasamento para defender as causas sociais.

Letícia Cangussú Campinha (18), defende o aprendizado constante para lutar com embasamento contra injustiças sociais
Letícia Cangussú Campinha (18), defende o aprendizado constante para lutar com embasamento contra injustiças sociais | Foto: Arquivo Pessoal

Ainda sobre a análise feita pelo Think with Google sobre a geração Z do Brasil, a preocupação com o meio ambiente lidera entre os temas coletivos que mais os preocupam. Não há dúvidas de que esta não é apenas uma preocupação nacional, já que uma das principais líderes dessa causa é uma jovem sueca de 18 anos, a ativista ambiental Greta Thunberg, que ficou conhecida por criar, na época com 15 anos, o Fridays for Future (em português: Sextas-feiras pelo Futuro), um movimento internacional em que os estudantes faltam a aula nas sextas-feiras para participarem de manifestações exigindo mudança de comportamento dos políticos em relação ao meio ambiente. Por conta disso, Greta foi convidada a participar da Cúpula das Nações Unidas sobre Ação Climática de 2019. Seu discurso incisivo repercutiu o mundo e incomodou uma série de governantes.

O meio ambiente também está no centro das preocupações de Marcela Naomi Okabayashi da Silva, de 19 anos, estudante de ciências biológicas. Antes de comprar qualquer produto, Marcela procura adotar o consumo consciente: “como estudante da área de biologia, sei sobre hábitos que poderiam ter impactos ecológicos negativos minimizados ou ainda, erradicados”. Para ela, ter escolhas mais responsáveis e sustentáveis em relação ao ecossistema terrestre é de extrema importância e, um exemplo disso, é escolher consumir de produtores locais, uma vez que “além da oportunidade de se ter produtos com menos químicos e processamentos industriais, é possível ter uma noção melhor sobre as etapas que o produto passou e avaliar sobre os seus impactos gerais”, afirma a estudante.

Marcela Naomi Okabayashi da Silva (19), usa do consumo consciente com foco no meio ambiente sustentável
Marcela Naomi Okabayashi da Silva (19), usa do consumo consciente com foco no meio ambiente sustentável | Foto: Arquivo Pessoal

O processo, em si, passou a ser uma preocupação da geração Z, que procura entender todas as etapas antes de consumir: de onde vem, como é feito, como é descartado e para quem vai o lucro final. Glória Audi Ribeiro, idealizadora da loja Fuá em Londrina, que utiliza 100% da matéria prima da peça, sem gerar lixo têxtil, observa o crescente interesse dessa geração no setor da moda consciente. Segundo Ribeiro, os jovens têm procurado cada vez mais a sua marca e se preocupado com o consumo das suas roupas.

O mercado de trabalho

No Brasil, o grupo da geração Z já conta com cerca de 51 milhões de pessoas e representa 24% da população, segundo o IBGE. Uma boa parte desses jovens já deixou os estudos e agora deve seguir para o mercado de trabalho, como é o caso de Bianca Eugenia Candido, 25 anos, formada há dois anos em artes visuais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). A principal dificuldade enfrentada por Bianca foi o medo de não conseguir um emprego na sua área de formação. Mesmo estando graduada e, atualmente, fazendo mestrado em história social na UEL, ela relata a dificuldade em conseguir um espaço no mercado de trabalho e percebe que isso acontece, também, no seu espaço de convívio social: “caso não houvesse sido empregada agora, estaria há dois anos sem emprego após graduada. Vejo todos meus amigos da minha idade com o mesmo problema, sem conseguir emprego na área que se formaram”.

Bianca Eugenia Candido (25 anos), abusa da criatividade para se posicionar no concorrido mercado de trabalho
Bianca Eugenia Candido (25 anos), abusa da criatividade para se posicionar no concorrido mercado de trabalho | Foto: Arquivo Pessoal

Por isso, a criatividade, nessa hora, cai como uma luva. Com a pandemia, a empregabilidade é cada vez mais incerta, fazendo com que essa geração tenha que se reinventar. O uso da tecnologia, somado ao conhecimento constantemente adquirido online, faz com que esses jovens optem pelo ingresso no mercado autônomo, com trabalhos temporários ou freelancers, como mostra a os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), apurada pelo IBGE, que aponta um crescimento no setor, com mais de 526 mil pessoas passando a atuar como trabalhadores informais no trimestre até fevereiro.

Um futuro melhor para mim e para próximo

O individual e o coletivo estão nas constantes preocupações da geração Z, por isso, o desejo de alcançar um objetivo pessoal e mudar o mundo a sua volta estão nos planos futuros desses jovens. Bianca deseja um futuro em que sua área de atuação profissional, os professores e a educação, sejam devidamente valorizados. Marcela quer ampliar todos os seus potenciais de autoconhecimento para tomar as melhores decisões. Letícia, como ela mesma diz, vai com o clichê: “quero estabelecer uma carreira que eu goste e ter uma vida feliz”. E o Yuri não quer ser tão dependente da tecnologia assim. Sobre o que querem mudar no mundo, a resposta foi unânime: maior aceitação, respeito, inclusão e empatia entre as pessoas.

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