Em 1996, eleitores de Londrina e outras 56 cidades tiveram o primeiro contato com uma urna eletrônica, na escolha de vereadores e prefeitos. Os votos de mais de 32 milhões de brasileiros – um terço do eleitorado da época – foram coletados por 70 mil urnas eletrônicas. Ter um aparelho mecanizado para coletar os votos, no entanto, era uma aspiração antiga no país. Elaborado na década de 1930, o primeiro Código Eleitoral Brasileiro previa, no artigo 57, o “uso das máquinas de votar, regulado oportunamente pelo Tribunal Superior, devendo ser assegurado o sigilo do voto”.

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| Foto: Isaac Fontana/FramePhoto/Folhapress

Apesar disso, o projeto da urna eletrônica só começou em 1995, quando o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) criou uma comissão técnica liderada por pesquisadores do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e do CTA (Centro Técnico Aeroespacial) para desenvolver o projeto da tal “máquina de votar”. Batizada inicialmente como “Coletor Eletrônico de Votos”, ela nasceu com foco em algumas premissas básicas como ser capaz de eliminar a intervenção humana dos procedimentos de apuração e totalização dos resultados, além de garantir maior segurança e transparência ao processo eleitoral. Era preciso ainda ser leve e compacta, facilitando o transporte, e simples de usar. A urna uniu tela, teclado e CPU numa só máquina, com teclado similar ao de um telefone, possibilitando a todos uma fácil interação com o novo dispositivo.

O resultado foi um sucesso, significando uma grande revolução no processo eleitoral brasileiro e agilizando os trabalhos. A apuração, que em 1994 durou semanas, passou a ser feita em questão de horas. O equipamento foi sendo aperfeiçoado, erros corrigidos e, quatro anos depois, as urnas eletrônicas já estavam em todo país, no primeiro pleito totalmente informatizado do Brasil. Nestes 25 anos em atividade, a máquina coletou e apurou os votos de milhões de eleitores em 13 pleitos. No ano passado, 147 milhões de eleitores votaram em 400 mil urnas eletrônicas instaladas em 5.567 municípios, consolidando o Brasil como o país com a maior eleição informatizada do mundo, ao lado de países como Suíça, Canadá, Austrália e Estados Unidos – neste caso, a adoção de sistemas eletrônicos existe em alguns estados. Na América Latina, México e Peru também fazem uso de urnas eletrônicas. Na Ásia, além de Japão e Coreia do Sul, há o exemplo da Índia. Com mais de 800 milhões de eleitores, o país utiliza sistema semelhante ao brasileiro, mas adaptado à realidade local. Além disso, mais de 30 nações já enviaram autoridades para conhecer o sistema brasileiro.

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| Foto: Lis Sayuri/04-10-2014

“Foi sem dúvida um avanço. É claro que questionamentos podem ser sempre feitos, para que o sistema seja melhorado e acompanhado, evitando qualquer tipo de fragilidade. Mas atacar simplesmente por atacar, sem provas concretas, é ruim para o processo democrático”, analisa o advogado Antonio Carletto, especialista em Direito Eleitoral. A observação dele tem explicação. Desde que foi implantada, a urna eletrônica passou – e ainda passa – por diversos questionamentos. Leonel Brizola, por exemplo, atacou as urnas eletrônicas até morrer, em 2004. O mau humor do histórico pedetista com sistemas eletrônicos começou em 1982, quando alegações de fraude na totalização de votos na eleição para governador do Rio de Janeiro, no chamado Caso Proconsult, tentaram dar a vitória ao adversário, Moreira Franco (PMDB). Já os ataques mais recentes vêm do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), questionando a confiabilidade das urnas. Sem apresentar qualquer prova das denúncias, ele levanta suspeitas afirmando que teria vencido no primeiro turno em 2018 e até que Aécio Neves (PSDB) teria derrotado Dilma Rousseff (PT), em 2014. Após o corregedor do TSE, ministro Luís Felipe Salomão, estabelecer prazo de 15 dias para que as evidências de fraudes nas urnas eletrônicas fossem apresentadas, o presidente reagiu afirmando que “não tem que apresentar provas para ninguém” e que apresenta “se quiser”. O prazo foi estendido até agosto, quando o presidente deve voltar a ser cobrado.

Em meio às contestações, a Câmara dos Deputados formou uma comissão especial para estudar uma proposta de emenda à Constituição para instituir o modelo de voto impresso defendido por Bolsonaro. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 135/2019, redigida pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), tem como relator o londrinense Filipe Barros (PSL-PR), ambos integrantes da base governista. “Tenho dito que esta é uma pauta suprapartidária, de democracia, de fortalecimento das instituições. Não é ideológica ou partidária. Não é um cabo de guerra de bolsonaristas e lulistas”, afirmou recentemente Barros, ao defender o projeto.

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| Foto: Celso Pacheco/ 24-09-2012

De fato, a questão tem adeptos nos diversos espectros da política brasileira. O ex-governador Roberto Requião (MDB) é um exemplo. “É uma estupidez da militância da esquerda ser contra hoje porque o Bolsonaro é a favor, sendo que essa é uma pauta que começou lá atrás, com o Brizola. Não se trata de ser de direita ou de esquerda, e sim de dar credibilidade ao sistema. Não faz sentido o argumento da Justiça Eleitoral de que nunca houve relato de fraude. Não se constatou fraude porque a urna não pode ser auditada”, criticou durante um debate na internet. A proposta defendida por Requião é de auditagem por amostragem, em 3% das urnas. Outros nomes da esquerda que já defenderam o voto impresso são os deputados federais Janete Capiberibe (PSB-AP) e Glauber Braga (PSOL-RJ). Quando era parlamentar, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), também se mostrou simpático à ideia.

Nas ruas, o tema divide opiniões. O fisioterapeuta Renato Andrada diz gostar do sistema de votação eletrônica pela agilidade e praticidade, mas reclama de não ter certeza se o voto realmente é dado para o candidato escolhido. “Depois de apertar o confirma, quem garante que ele não vai para outro”, questiona. Já a esteticista Carmen Ribeiro ataca as desconfianças. “Isso é bobagem de gente que quer voltar para o tempo da cédula. Vão usar orelhões e máquinas de escrever também?”, ironiza.

O cientista político Cláudio Novais estranha a discussão levantada por Bolsonaro justamente neste momento e em relação a um processo pelo qual venceu seis eleições e, seus filhos, outras treze. “Nunca falou disso em quase 30 anos como deputado e, agora, parece querer arranjar uma desculpa para usar em caso de derrota no ano que vem, já que sua popularidade vem caindo”, afirma. “Parece mais a construção de uma narrativa para movimentar seus seguidores e tumultuar o processo, tal como Donald Trump fez durante todo o processo eleitoral nos Estados Unidos, do que uma preocupação legítima com o voto dos brasileiros”, complementa Novais.

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| Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE

Crítico da medida, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, destaca o perigo da judicialização das eleições. “O Brasil tem mais de 5.600 municípios. O voto impresso vai permitir que cada candidato que queira questionar o resultado peça a conferência dos votos. Vai contratar os melhores advogados eleitorais do país para buscar uma nulidade, alguma inconsistência e vai questionar oficialmente o resultado das eleições. E aí nós vamos ter mais um nível de judicialização no país, que vai ser o resultado das eleições, vai ser produto de uma decisão judicial. Ninguém precisa disso”, afirmou em recente entrevista. “O Brasil tinha, nas últimas eleições que eu presidi, quase 500 mil candidatos. Você imagina se um terço deles resolver questionar o resultado e pedir conferência judicial dos votos. Nós vamos criar o caos no sistema que funciona muitíssimo bem”, alerta Barroso.

Vale a pena ver de novo?

Impressão de comprovante já foi testada em 2002 e acabou considerada um fiasco pelo TSE

Defendida pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ex-senador Roberto Requião, a impressão de um comprovante do voto já foi testada nas eleições de 2002. Naquele ano, o Congresso Nacional havia aprovado a Lei 10.408, nascida de um projeto apresentado justamente por Requião — embora bastante alterado em sua versão final. Como resultado do texto, a Justiça Eleitoral conectou 23 mil impressoras às urnas eletrônicas de 150 cidades, correspondendo a 6% dos eleitores que votaram naquele ano. Com isso, eles puderam conferir a impressão dos votos para, após isso e sem contato manual com o comprovante, assistir o papel ser automaticamente depositado em um local lacrado. Na justificativa do projeto, isso traria mais confiabilidade à votação. Mas não foi o que concluiu o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Um relatório divulgado pelo órgão semanas depois resumiu os problemas encontrados.

“Sua introdução no processo de votação nada agregou em termos de segurança ou transparência. Por outro lado, criou problemas. Nas seções eleitorais com voto impresso foi: a) maior o tamanho das filas; b) maior o número de votos nulos e brancos; c) maior o percentual de urnas com votação por cédula, com todo o risco decorrente desse procedimento; e d) maior o percentual de urnas que apresentaram defeito, além das falhas verificadas apenas no módulo impressor”, apontou o documento.

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| Foto: Isaac Fontana/FramePhoto/Folhapress

Além disso, no Rio de Janeiro, cerca de 60% dos eleitores não conferiram a impressão. Na Bahia, houve quem sequer conseguiu finalizar a votação. Já no Distrito Federal, que teve 100% das urnas com impressora de voto, o índice de defeitos foi de 5,3%, contra 1,4% no restante do país. Também chamou a atenção, nas seções com voto impresso, que 30,2% delas utilizaram o sistema conhecido como “voto cantado”, enquanto nas seções sem voto impresso, o percentual foi de apenas 0,68%. Isso ocorre quando há utilização de cédulas, devido a um problema na urna. Ao final da votação, esses votos são “cantados” para o registro em um programa da urna eletrônica. No relatório, o TSE observa que “o voto cantado fragiliza o processo de votação e apuração, na medida em que possibilita a interferência da ação humana, com todas as suas consequências”. O resultado foi a revogação da lei, pelo próprio Congresso, no ano seguinte.

Após isso, deputados e senadores voltaram a propor voto impresso nas reformas eleitorais de 2009 e 2015. Nas duas oportunidades, a mudança foi declarada inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Agora, a nova proposta deve perder força após, no fim de junho, presidentes de 11 partidos políticos, incluindo legendas aliadas ao governo, posicionarem-se contra as mudanças, defendendo que “o sistema eleitoral é confiável e que mudar as regras do jogo, a essa altura, poderia gerar incertezas no processo”.

Outro empecilho para a proposta é o custo. Segundo estimativas do TSE, para implantar o voto impresso em todo o país, mais de R$ 2 bilhões teriam de ser investidos. A segurança também preocupa. “Qual a razão pela qual o TSE tem se empenhado contrariamente ao voto impresso? É que nós vamos ter que transportar 150 milhões de votos no país do roubo de carga, da milícia, do Comando Vermelho, do PCC, do Amigos do Norte, já há aí um primeiro problema”, argumenta o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso.

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| Foto: Anderson Coelho/ 27-08-2018

Em resposta aos pedidos de “voto auditável”, o TSE informa que isso já ocorre. Representantes dos partidos políticos são convidados pela Justiça Eleitoral para preencherem votos em cédulas de papel, que são filmados e identificados com seus votantes. No dia da eleição, é feito um sorteio, auditado por uma empresa independente contratada pela Justiça Eleitoral, de urnas eleitorais da votação oficial. Os representantes dos partidos, então, são convocados a digitar nessas urnas os mesmos votos anotados nas cédulas de papel. Da mesma forma, eles são filmados apertando os botões da urna, de modo que é possível conferir se os representantes de fato deram o mesmo voto nas cédulas de papel e nas urnas eletrônicas.

Depois disso, abrem-se as urnas de lona e contam-se os votos. Em seguida, faz-se a leitura dos votos das urnas eletrônicas. Os resultados são comparados e, se os números forem os mesmos, fica provado que aquela máquina não pratica qualquer alteração nos votos computados. Como as urnas submetidas ao processo são escolhidas aleatoriamente por sorteio auditado, o processo indica que não há adulteração no sistema como um todo. Em 25 anos de utilização da urna eletrônica no Brasil, jamais houve um caso de discrepância entre os dados nestes votos de papel e os digitados nas urnas eletrônicas. Tampouco as acusações de supostas fraudes, feitas por candidatos, foram comprovadas.

Na época do voto em cédulas de papel, as reclamações também eram grandes. No Rio Grande do Sul, por exemplo, foram apresentados mais de 8 mil recursos à Justiça Eleitoral nas eleições de 1994. “Reclamação de perdedores temos após toda eleição, com acusação de fraudes, seja de candidato a vereador ou a presidente, mas jamais comprovaram nada. Vejo mais como um recurso psicológico para a falta de votos e a derrota doerem menos”, alfineta o advogado Antonio Carletto, especialista em Direito Eleitoral.

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| Foto: Gina Mardones / 06-10-2018

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