Quem diria que um jovem nascido em Florestópolis (Região Metropolitana de Londrina) teria seus vídeos reconhecidos no mundo todo? “Quando aparece alguma marcação, eu clico e dou uma olhada. 20 milhões (de visualizações); a outra 30 milhões...” contabiliza o protagonista dessa história, o professor de educação física, Gean Sampaio. Esse engajamento de milhões no conteúdo de Sampaio, no entanto, não é fruto de entretenimento ou diversão, é uma questão educativa: O professor partilha suas experiências como educador, em especial com a inclusão de alunos com deficiência, inspirando milhares de pessoas pelo mundo. Mas sua trajetória nem sempre foi planejada para ser dessa forma.

Após deixar a faculdade de engenharia, Gean tomou um novo curso na faculdade de Educação Física. “No entanto, quando entrei para Educação Física, entrei para ser treinador. Falei ‘vou trabalhar com futebol’, porque venho de uma família de jogadores”, conta. O esporte já estava na família. Não só, sua irmã também cursou Educação Física e foi grande estímulo para que Gean traçasse os primeiros passos na carreira. A partir desse momento, identificou-se com a licenciatura, ou seja, com o exercício de ensinar. Após entrar em contato com as crianças, percebeu que dentro de si havia vocação para estar a frente de uma turma de pequenos.

A professora do departamento de Educação da UEL Educação (Universidade Estadual de Londrina), mestra em Educação Especial e doutora em educação, Célia Regina Vitaliano, conheceu o trabalho de Gean pelas redes sociais. Ela explica que “a ideia que a gente tem de escola de que todo mundo aprende igual, no mesmo tempo, do mesmo jeito, com o mesmo recurso... esse “mesmo” é um engano para nós”. Nenhum aluno é igual. Cada um apresenta suas particularidades e é preciso levá-las em conta na hora de lecionar, a fim de que todos possam fazer parte da aula. Mas essa tarefa se tornou um desafio maior quando Gean conheceu Heitor e Samara. Heitor, de seis anos, tem paralisia cerebral; e Samara, de cinco, Síndrome de Down. Avaliando a questão, veio o questionamento: “Todos fazem a minha aula, como eu vou ser um bom professor deixando alguém de lado?”

Célia aponta que a inclusão não se dá tão facilmente. Acontece que a proposta de um modelo de ensino inclusivo é muito recente e só chegou ao Brasil nos anos 90. Além disso, muitas escolas ainda utilizam modelos muito distantes dos ideais. Ela percebe que “nós temos uma compreensão muito errada do conceito de inclusão. Inclusão não é colocar o aluno em sala de aula simplesmente”. Isso porque a inclusão engloba uma diversidade de fatores como aprendizado dos conteúdos acadêmicos, socialização e capacitação dos alunos em condições de igualdade, “mas uma igualdade no sentido de oferecer àquela criança o que ele precisa de apoio e de recurso para que ela possa aprender junto com os outros”, elucida Célia.

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Mais uma vez, o reflexo da irmã de Gean se fez presente. O professor relembra que “hoje ela é diretora de APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), então eu sempre estava ali no meio, sabendo de algumas coisas. Ela sempre falava para mim, então quando eu tive o primeiro contato (com as crianças com deficiência) foi um pouco mais fácil”.

O professor Gean Sampaio e seus alunos
O professor Gean Sampaio e seus alunos | Foto: Arquivo Pessoal

APOIO ESPECIAL

O papel de inserir essa criança na escola não é restrito ao professor de apoio - aquele professor que acompanha o aluno com deficiência -, mas do corpo da escola como um todo, incluindo os professores, funcionários e colegas de classe. E não é preciso ser gente grande para entender a importância da inclusão. Sampaio se admira com os próprios alunos, os quais observam o professor e por conta própria agem de forma a incluir Heitor e Samara nas brincadeiras, dando espaço e auxílio para que eles também possam brincar. “Estabelecer interação só com o professor é muito importante, é fundamental” – indica Célia – “Mas também é fundamental estabelecer interações com outras crianças”. Mais do que isso, ela ainda revela que essa distribuição de responsabilidades entre as crianças é benéfica tanto para o aprendizado do aluno com deficiência quanto aos demais, pois “a inclusão é um processo coletivo”.

Foi aí que, incentivado pelos próprios alunos, ele passou a postar vídeos de suas aulas nas redes, justamente com o objetivo de influenciar, mas com o objetivo da educação. Com o tempo, as visualizações aumentaram e hoje o professor soma mais de 420 mil seguidores em seu Instagram e TikTok. Em suas publicações, ele demonstra que promover a educação inclusiva é uma prática acessível. Em um de seus vídeos mais compartilhados, ele e Heitor fazem juntos atividades como pular corda, dançar e brincar na cama elástica. O professor também idealizou e confeccionou um “tapete sensorial”, no qual plumas, esponjas, tampinhas de garrafa entre outros objetos se tornam repletos de cores, formas e texturas diferentes que estimulam os sentidos da criança.

E assim, em poucos meses, o rosto jovem de origem de uma pequena cidade de pouco mais de 11 mil habitantes estava estampado em noticiários do Brasil e tendo até mesmo repercussão internacional. Entretanto, o sucesso da ação não é medido em números, mas na resposta que recebe de seu público. Mães, professores e universitários entram em contato com ele para expressar como seu trabalho os motivou a olhar para a educação inclusiva com outros olhos. “Chegam as mensagens que falam: ‘Caramba, Gean! Você me deu forças”, relata ele.

Célia relembra que “nós estamos em uma fase de desvalorização da cultura do professor” e considera a iniciativa de Gean de espalhar seus conhecimentos na rede um bom exemplo a ser seguido. O professor se compromete a trazer mais visibilidade para a profissão, “porque o professor não tem um salário bom, eu não ganho um salário-mínimo, por mais que eu trabalhe muito. Eu quero que as pessoas olhem e falem: o professor merece”.

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