Bissexto, nova dezena e último da década, 2020 definitivamente não é um ano comum. Despedindo-se da última década (2011 a 2020), ele também mostra os caminhos para o início de um novo decênio marcado pelo calendário gregoriano a partir de 2021. Entredécadas, este é o ano que marca a transição e, a partir de análises do que foi, especialistas mostram o que está por vir. Esta reportagem faz parte de uma série da FOLHA que vai discutir mensalmente o futuro das tecnologias em diversos segmentos durante todo o ano de 2020, na seção do Folha Mais.

Imagem ilustrativa da imagem Entredécadas - Eventos dessa última década são analisados por futuristas

“Claramente houve uma ruptura entre o mundo racional, linear e previsível para um formato digital, exponencial, acelerado e quântico”, avalia Jaqueline Weigel, futurista da WFuturismo e especialista em Foresight Estratégico. Diante dos estudos, ela aponta que o caos climático seja a emergência prioritária do planeta, mas lamenta que apenas alguns setores estejam engajados com o Pacto Global da ONU (Organizações das Nações Unidas), que tem o prazo de conclusão dos 17 ODS (Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável) para o fim da próxima década, em 2030.

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Até lá, a nova forma de ver o mundo pode trazer novas diretrizes, considerando que, segundo a especialista, o comportamento da sociedade mudou radicalmente. “Mais engajada, politizada, vem dando o tom coletivo do que é aceitável a partir de agora e o que não será mais tolerável”, afirma. Dessa forma, ficaram mais evidentes o consumo consciente, empresas voltadas à impacto social, exigência por qualidade, bom preço e boa experiência ao consumidor. “Mais de 30% das pessoas já são veganas, o sonho da casa própria vem sendo diluído à era desmaterializada, as pessoas desejam mais tempo livre, cidades menos caóticas e, principalmente, estamos fazendo coisas antes inimagináveis, como reabilitar paraplégicos, fotografar buracos negros, editar gene humano, imprimir tecidos humanos”, cita. Experiências que já estão concretizadas e que ditam passos para o futuro.

Raul Colcher, que presta consultoria científica tecnológica e é membro sênior do IEEE (Institute of Electrical and Electronic Engineers) destaca o aumento do interesse em inteligência artificial. “Algumas vertentes foram importantes: computação em nuvem, big data, ciência de dados e, recentemente e com muita ênfase, a inteligência artificial que é utilizada em todas as áreas”, afirma.

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Para o engenheiro de telecomunicações, os últimos anos mostraram mudança significativa nas formas de realização das atividades, como o amadurecimento do trabalho cooperativo e descentralizado, com possibilidade da atuação remota, em casa. No entanto, aponta o desafio do desemprego causado pela tecnologia. “Havia uma crença equivocada de que a tecnologia substituiria apenas os trabalhos mais mecânicos e repetitivos e isso foi aos poucos sendo destruído. Existem profissões que nem se sonhava serem substituídas por agentes inteligentes que hoje estão prestes a serem fortemente afetadas”, aponta. Como exemplo, cita diagnósticos médicos realizados por máquinas.

Uma visão que Colcher não avalia bem. “Por mais que haja discursos que tentam ser otimistas de que a tecnologia também cria emprego, o problema é que ela cria empregos em uma taxa que não está se revelando capaz de suprir as perdas que a inteligência artificial vai causar”, afirma. Além da falta de capacitação, que não permite que os que perderam suas vagas ocupem os novos empregos.

Na última década, as redes sociais também se apresentaram como importante ferramenta de impacto. “Influenciaram a maneira de se comunicar e se socializar, inclusive com mecanismos decisórios, de convencimento, até mecanismos políticos e como isso tornou possível mobilizações e, de uma maneira, até se tornou um antídoto para controle dos governos”, afirma.

Com isso, no futuro espera-se a contrapartida e aumento da discussão sobre a detenção de dados. “Se vê no mundo governos preocupados em cercear, controlar, estabelecer limites nas redes sociais. Por outro lado, os grandes players que detêm os dados, como Facebook, Google, Microsoft têm um poder grande e como controlar esse poder?”, questiona. Para o especialista, discussões sobre ética e privacidade serão fundamentais na próxima década.

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TECNOLOGIA

Apesar de ninguém pode prever futuros, Weigel consegue enxergar as tendências na tecnologia, setor responsável por grandes mudanças das últimas décadas. A futurista aponta as três categorias tecnológicas (física, biológica e digital) atuando em consonância. “Elas já existiam antes e agora estão em convergência e combinatoriedade, e tem curvas ‘S’, ou seja, surgem, têm pico e viram status quo”, aponta.

Biotech, nanotech e robótica, automação e mobilização também estarão cada vez mais presentes. Com o desenvolvimento tecnológico, muda também a forma de construir esse novo mundo. “Novas empresas tirando antigos gigantes do mercado, grandes discussões éticas sobre o que devemos permitir na construção de futuros”, afirma. Segundo a especialista, as organizações institucionais já não respondem mais aos anseios da sociedade e vem perdendo espaço, o que diz também sobre o que é preciso aprender para viver nesse novo cenário. “Ser digital e ter fluência digital é o mínimo para sobreviver a partir do ano que vem.”

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