Um fato curioso uniu o apresentador William Bonner, a cantora Demi Lovato, a famosa vinheta do “Plantão da Globo”, a abertura do “Vale a Pena Ver de Novo”, a rapper Cardi B e o ex-presidente Michel Temer, nas últimas semanas. Apesar da aparente ausência de conexão entre esses elementos, todos estrelaram os “memes do bem-te-vi”, que se alastraram pela internet na primeira metade de agosto. A origem da brincadeira envolvendo o canto do pássaro seria de uma discussão pelo WhatsApp. Um rapaz teria sido bloqueado por uma garota que reclamava, em um áudio, da pouca aptidão do jovem para estabelecer uma conversa minimamente interessante, com algum conteúdo. Como resposta, ele teria enviado apenas o som de um bem-te-vi para a moça — algo que, convenhamos, só corrobora a tese de que ela estava mesmo certa.

Imagem ilustrativa da imagem E o Grammy vai para… o bem-te-vi!
| Foto: iStock/Folha Arte

A conversa vazou e os memes começaram a surgir, com o canto do pássaro sendo inserido em todo e qualquer tipo de vídeo, desde o choque do hoje senador Lasier Martins, nos anos 1990, durante uma entrada ao vivo na Festa da Uva, de Caxias do Sul (RS), até o singelo “boa noite” de Bonner. Como o brasileiro sempre se supera, uma guerra para ver quem criava uma montagem ainda melhor foi se criando e, em poucos dias, o assunto era um dos mais comentados em toda a internet. No Twitter, os acordes do bem-te-vi foram inseridos em um clipe de Demi Lovato, cantando a música “Still have me”. Rapidamente, o tuíte alcançou mais de 5 mil compartilhamentos e 20 mil curtidas. Segundo dados do Google Trends, plataforma que monitora buscas online, pesquisas sobre “meme bem-te-vi” cresceram mais de 2.000% nas últimas semanas.

A ave é típica da América Latina, com presença predominante do sul do México à Argentina, mas pode também ser encontrada no sul do Texas e na ilha de Trinidad. Foi levada para Bermudas em 1957, onde hoje é a terceira espécie de ave mais comum, podendo atingir densidades populacionais de até 10 pares por hectare. É uma das aves mais populares no Brasil, muito comum em todas as regiões brasileiras. Está nas cidades, matas e ambientes aquáticos, como lagos e rios. Geralmente fica sozinho, mas pode ser visto em grupos de três ou quatro que se reúnem habitualmente em fios de postes e árvores, iniciando uma espécie de “repente do mundo das aves”.

O nome científico do bem-te-vi é Pitangus sulphuratus. A primeira parte é derivada do nome que os indígenas tupi davam para a ave: pituã. O segundo, uma referência à cor amarela de seu dorso — sulphur, que quer dizer “enxofre”. Já o nome popular é uma onomatopeia com o canto da ave, que parece dizer isso. No entanto, em alguns lugares, as pessoas escutam “triste-vida” e dão esse nome para o pássaro. Em inglês, é chamado de “kiskadee”, outra associação possível com seu canto, também utilizado em Portugal. No francês, a expressão “qu'est-ce qu'il vit”, que se pode entender do canto do pássaro nessa língua, acabou virando o nome popular “quiquivi”, significando “o que ele está vivendo”. Já no espanhol, é feita a tradução para “benteveo”. Ainda para os espanhóis, pode ser chamado de “bichofué” ou “bichofué gritón”.

Além do dorso amarelo, uma das características físicas mais marcantes do bem-te-vi é uma listra branca acima dos olhos. Tem ainda um topete amarelo, que só aparece quando o pássaro levanta as penas da cabeça, em ocasiões específicas. É considerado um pássaro grande, medindo até 25 centímetros, alimenta-se principalmente de insetos, flores, frutas e até pequenos répteis ou peixes. Mas nem tudo é festa: o bem-te-vi é um problema para a apicultura, já que gosta de devorar abelhas.

De personalidade forte, apesar do tamanho, beleza e da simpatia, o pássaro é bastante territorialista e agressivo, especialmente no período de reprodução. É comum encontrá-los ameaçando gaviões, urubus e até seres humanos que se aproximam de seu território. Algumas pessoas acreditam que o pássaro é capaz de anunciar a chegada da chuva. De acordo com a crença popular, quando vários bem-te-vis começam a cantar juntos, vem água por aí. São passarinhos monogâmicos, ou seja, passam a vida toda com o mesmo par. Além disso, o bem-te-vi macho e a fêmea costumam trabalhar juntos na construção de ninhos, juntando materiais como gramíneas, gravetos e musgos.

E enquanto o pássaro está por aí caçando seus insetinhos e fazendo seus ninhos, o brasileiro começou a enfiar seu canto em tudo. A vinheta do “Plantão da Globo”, que geralmente assusta quem a ouve, deixando todos em clima de tensão, ficou até mais amena com a nova versão “bem-te-vizada”. A abertura do extinto programa humorístico “A Grande Família” também ganhou a roupagem amarela do pássaro. E o ex-presidente Michel Temer estrelou um dos primeiros memes: caminhando em direção a um púlpito, onde iria discursar em um evento, ajusta e o microfone e, quando vai iniciar a fala, tem sua voz alterada pelo canto do bem-te-vi, sendo aplaudido e deixando o local na sequência.

Nem nossa urna eletrônica, tão sofridamente atacada nos últimos tempos, passou incólume ao movimento “bem-te-vista”. Um grupo de internautas pediu que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) substituísse o som da tecla “confirma” pelo canto do pássaro. “O brasileiro transforma tudo em piada, tem uma criatividade gigante. Aí depois que uma pessoa começa com uma brincadeira, ela sai do controle, todo mundo embarca, fica até difícil entender como começou. Mas é uma brincadeira saudável. Confesso que caí em vários desses vídeos. É uma nova versão do ‘gemidão do zap’, liberada para menores”, brinca o especialista em Tecnologia, Marcelo Carvalho.

PLANETA AZUL

Nas redes sociais, teve quem estivesse “boiando” com o tema. A jornalista Mônica Waldvogel precisou apelar para os tuiteiros para ficar por dentro. “Essa é uma hora boa pra perguntar o que é e como surgiu o meme do bem-te-vi?”, perguntou. Mesmo caminho seguiu a atriz Clarice Falcão. “Vou parar de fingir que sei: alguém me explica o meme do bem te vi?”, postou. No geral, o movimento ganhou mais adeptos do que críticos. “Gostei. É um canto que me lembra bons momentos da infância, com meu pai e meu avô explicando o que era aquele pássaro. Tenho uma memória afetiva com o bem-te-vi, além de ter rendido montagens divertidas”, opina a fisioterapeuta Ana Cláudia Thomaz. Já o psicólogo João Marcelo Rocha aponta o grande volume de informações sobre o tema. “Nunca se falou tanto e nunca se ouviu tanto ele. Parece que na rua a gente só ouve bem-te-vi agora, só falta convocarem o coitado para depor na CPI da Pandemia”, comenta. Mas há quem já esteja cansada de tanta cantoria. “O pior é que é uma praga. Você ouve uma vez e qualquer barulho tá lá o bem-te-vi ecoando na sua cabeça. Dia desses até o celular de uma pessoa na fila do mercado apitou com som de bem-te-vi quando chegou uma mensagem. Aí já é demais”, diverte-se a autônoma Carolina Lopes.

A antropóloga Maria Cristina Neves exalta a criatividade do brasileiro de transformar qualquer coisa em piada. “Alguns podem até achar exagero, outros reclamam que assuntos mais importantes não ganham tanta atenção. Mas a verdade é que todo mundo está cansado, pelos efeitos da pandemia, pelo momento de crise social e econômica e tantos outros problemas. Qualquer coisa, num contexto desses, acaba tomando proporções maiores. Pelo menos é algo leve, divertido. Estou aguardando alguém sugerir nosso bem-te-vi para o Grammy”, brinca. O Grammy Award é uma cerimônia de premiação da “The Recording Academy”, dos Estados Unidos, que presenteia anualmente os profissionais da indústria musical com o prêmio Grammy, em reconhecimento à excelência do trabalho e conquistas na arte de produção musical. É considerado um dos quatro principais prêmios anuais de entretenimento americano, juntamente com o Oscar (cinema), o Emmy (televisão) e o Tony (teatro). Entre os brasileiros, João Gilberto, Tom Jobim, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Roberto Carlos já conquistaram o prêmio. Será que agora é a vez do bem-te-vi?

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