Frases como “pense pelo lado positivo”, “você atrai o que você emana”, “continue sorrindo apesar das dificuldades” acompanhadas com a hashtag #GoodVibesOnly (Boas vibrações somente, em livre tradução) já somam mais de 14 milhões de publicações no Instagram. Apesar de parecerem simples conselhos ou frases motivacionais, a mensagem acaba se tornando um mantra a ser seguido, ignora e reprime outros tipos de sentimentos e emoções. Na área da psicologia, esse fenômeno já vem sendo estudado e é chamado de “positividade tóxica”.

Imagem ilustrativa da imagem A cultura ‘good vibes’ pode ter efeitos colaterais?

Segundo o psicanalista Yohann Saracho, essa cultura “good vibes” tende a ser problemática e pode desencadear outros transtornos como a depressão, por exemplo: “se eu sou uma pessoa que fica guardando muitas coisas, essa tensão toda que está acumulada em mim vai acabar desaguando em um outro local”, explica. “Essa não aceitabilidade da fragilidade humana fica muito pior quando a gente entra no campo da saúde mental” conclui.

Saracho argumenta que, quando se cria uma cultura que alimenta o sentimento de “eu posso fazer as coisas, só que depende exclusivamente do meu esforço” ao mesmo tempo em que se é constantemente bombardeado nas redes sociais com depoimentos de pessoas que estão todo dia mostrando como elas conseguiram e que esse caminho não é difícil, todos esses fatores contribuem para uma cobrança de produtividade excessiva que, consequentemente, afeta a saúde mental.

E isso fica mais evidente ao analisar os dados sobre transtornos mentais no Brasil. Segundo uma pesquisa divulgada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 2020, o país possui a maior taxa de pessoas com transtornos de ansiedade no mundo e é o quinto em casos de depressão. E isso não está ligado exclusivamente à questão biológica, mas também à questão social, como explica o psicanalista: “os transtornos mentais são muito mais o reflexo de uma época do que necessariamente algum desequilíbrio fisiológico”.

A partir do momento em que a positividade e a felicidade são exibidas como a única forma de se obter sucesso na vida, ignora-se todos os obstáculos e questões sociais que podem existir e que impedem de atingir determinada conquista, caindo na velha questão da meritocracia. Segundo a socióloga Franciele Rodrigues, “ter a força de vontade como principal motor” é complicado, uma vez que “isenta toda a responsabilidade das outras instituições”. Além disso, pode gerar uma angústia ao questionar “como que todo mundo consegue e eu não?”, o que retorna novamente para a questão de saúde mental, como um ciclo.

Redes sociais e pandemia

Um dos assuntos que tornou-se viral no TikTok e no Instagram durante a quarentena foi o “Era para ser só 15 dias e eu…”, em que os influenciadores digitais postavam suas conquistas e todo sucesso que alcançaram mesmo estando em uma pandemia. Isso acabou gerando uma discussão sobre comparação de produtividade, já que ter um perfil recheado dessas publicações e com os rótulos #gratiluz, #gratidão, #goodvibes, faz parecer que todo mundo está bem e fazendo algo produtivo, menos você. “É muito complicado quando você tenta vender isso como fórmulas universais, como se coubesse na realidade de todo mundo”, explica Rodrigues.

“É um meio muito difícil porque ele pede para gente estar feliz o tempo todo”, relata Isabella Mendonça, de 21 anos, estudante de medicina na UNIMAR (Universidade de Marília), que compartilha em sua conta no Instagram sua rotina após ser diagnosticada com Síndrome de Melas, uma doença mitocondrial rara e que não tem cura. “As pessoas pedem uma força, uma inspiração e com isso, você precisa assumir um papel que muitas vezes não é real, só para fazer as outras pessoas felizes”.

Isabella percebeu que tratar de assuntos não relacionados a algo positivo traz um certo incômodo por parte de alguns seguidores. Negar que existam esses sentimentos faz com que se idealize uma realidade artificial, gerando, eventualmente, mais frustração. “Quando a pessoa entra nessa demanda de sempre estar bem, acaba se criando uma certa cultura em que as pessoas têm essa rigidez de sempre estar bem. E é algo impossível, porque se você sempre está bem, você está condenado a sempre estar frustrado”, elucida Saracho.

Como atingir o equilíbrio?

O conselho do psicanalista é “pensar no quanto a gente consegue se desvincular desse “good vibes”, dessa glorificação de uma produção e que somente no aspecto produtivo a gente consiga atingir um certo grau de felicidade”. É importante não relacionar diretamente o otimismo exacerbado ao sucesso ou a uma conquista pessoal. Apesar de uma solução específica para o problema ser subjetiva, ou seja, cada caso é um caso.

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