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O CINÉFILO FIEL 5m de leitura

Um recado iluminado ao coração do Brasil

'Aos Nossos Filhos", filme em cartaz em Londrina, aborda um momento de mudança no País

ATUALIZAÇÃO
23 de agosto de 2022

Carlos Eduardo Lourenço Jorge/ Especial para a FOLHA
AUTOR

Imagem ilustrativa da imagem Um recado iluminado ao coração do Brasil

O filme é tão iluminado quanto a esperança humanista da renovação da sociedade brasileira, para além das piores manifestações de intolerância extremista no poder. E se finalmente for chegada a hora de deixar de lado os preconceitos causadores desta intensa disseminação de ódio sem limites ? Em “Aos Nossos Filhos” (em segunda semana no Ouro Verde), tudo acontece no Brasil, com um casal de duas mulheres que se amam, e que gostariam de ter um filho. Mas o conflito com a mãe de uma delas compromete essa harmonia. Essa mãe seria tradicionalista, de extrema-direita e homofóbica, em viés bolsonarista? Não, muito pelo contrário: a divisão entre mãe e filha se desenrola em outro nível, onde um trauma profundo, que precede o próprio nascimento da filha em questão, tem grande parcela de responsabilidade. Há também valores que pertencem a classes sociais distintas onde, em particular, aparece o consumismo individualista neoliberal.

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Via de regra as relações entre mães e filhas estão repletas de possibilidades emocionais – e o bom cinema tem tratado o tema com carinho. Quaisquer que sejam as tensões que possam dividir essas relações, sempre há um vínculo inabalável que as conecta. Isso é certamente verdade para as duas mulheres adultas que são dois dos focos deste novo drama de personagens e idéias assinado pela diretora e coroteirista portuguesa Maria de Medeiros, em coprodução Brasil-França.

"Aos Nossos Filhos", em cartaz no Cine Ouro Verde,  traz uma história terna  e politizada
 

Vera (Marieta Severo) dirige uma ONG que cuida de órfãos soropositivos. O órgão está situado em área de encosta atraente mas encostado em uma das favelas do Rio, e tiroteios são frequentemente ouvidos na região. Mas Vera mantém mão firme na direção e calma exterior enquanto trata traumas do passado de ativista política e tenta reconstruir a autoconfiança.

(As torturas realizadas contra mulheres durante os anos de ditadura no Brasil – Vera foi uma delas – ainda são objeto de seus pesadelos na sociedade atual, e isso é ainda mais acentuado porque o fascismo assumiu o poder no país para destruir qualquer manifestação ou iniciativa cultural espontânea.)

A filha adulta de Vera, Tânia (Laura Castro, autora da peça original e corroteirista) tem um cônjuge do mesmo sexo, e o casal pretende ter seus próprios filhos. Mas os esforços infrutíferos de fertilização in vitro e uma sucessão de abortos estão afetando a harmonia doméstica do casal. Mãe e filha são duas mulheres fortes, ao mesmo tempo muito vulneráveis. Quando as coisas estão emocionalmente carregadas para cada uma delas, Vera e Tânia interagem na vida uma da outra após longo distanciamento.

Sobre a questão da transmissão sugerida pelo título do filme, elas não pertencem mais à mesma categoria social e pouco a pouco não mais às mesmas sensibilidades sociais. Elas se dividem, deixando o espectador livre para eleger o seu lado. As razões que animam os protagonistas são mais complexas do que parece à primeira vista, e o filme mostra bem que um indivíduo está longe de ser progressista sob todos os pontos de vista e que, portanto, é interessante que ele possa continuar a construir-se socialmente.

“Aos Nossos Filhos” filma esse momento de mudança do Brasil, quando a esquerda progressista conseguiu concretizar a esperança de ampliação da classe média. Através do prisma da história de um casal em crise e uma família mais dividida, a diretora Maria de Medeiros deixa entrever as divisões que pairam sobre a sociedade em pleno andamento ao longo das décadas e assina um verdadeiro ato de amor com um luminoso desfecho que vale como programa profético de vital reconciliação social. O resultado é um drama cativante sobre personagens multifacetados que envolvem e provocam o espectador.

Reverência especial a Marieta Severo. No auge da maturidade, ela irradia magnetismo, inteligência, beleza e autoconfiança. É um desempenho verdadeiramente carismático.

* Confira a programação de cinema no site da FOLHA.

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