De 2023 não passa. Londrina, a cidade que ostentou nos anos 1960 e 1970 o cognome de Capital Mundial do Café, está prestes a ganhar um espaço exclusivo para contar sua relação visceral com um fruto, um arbusto, uma lavoura, uma bebida, uma cultura, um ciclo, uma saga, um legado.

A iminente inauguração do Museu do Café conclui uma metamorfose que começou há 12 anos, quando o Sistema Fecomércio Sesc Senat recebeu da prefeitura um contrato de cessão por 20 anos e a nobre missão de criar um espaço cultural diverso no coração da Londrina raiz.

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Fazendas de café ainda brilham na memória

Em 2014, surgia o Sesc Cadeião, um dos presentes do oitentenário.

“Estamos projetando para o terceiro trimestre a abertura ao público”, informa Patrícia Erika Sugeta, gerente executiva da unidade.

As obras estão na reta final e a face do velho edifício voltada à Rua Sergipe já ostenta os letreiros do novo museu, o oitavo do município e o terceiro a abordar a memória cafeeira – o Museu Histórico e o Museu da Sociedade Rural do Paraná são os outros dois.

O último ato desta espetacular transição começou em 2018, quando a Polícia Civil desocupou o prédio, abrindo caminho para o centro cultural tomar sua forma definitiva, de dois mil metros quadrados (o dobro da atual), espalhado por dois blocos e dois pavimentos.

Um dos maiores prédios públicos da área central, erguido com a finalidade de abrigar o ambiente pesado da segurança pública, está próximo da sua completa redenção, de corpo e alma.

No térreo e no andar superior, muitas paredes divisórias desapareceram. As pequenas salas e os corredores estreitos deram lugar a outra configuração espacial, adequada aos novos parâmetros de segurança e acessibilidade.

O museu ficará no primeiro piso. A fiação abundante no teto, ainda descoberta, dá pistas sobre como o memorial deve explorar a tecnologia para impressionar o visitante.

Uma das salas permitirá uma experiência sensorial, com aromas, ruídos e texturas que evocam a afetividade ligada à cultura cafeeira, conjugados com muitas imagens em movimento, depoimentos e filmes históricos. “Temos a intenção de ter mostras dinâmicas, renovando a exposição periodicamente”, avisa a gerente.

Duas salas serão ocupadas com exposições de longa duração, objetos, fotos e banners para compor um roteiro que liga o passado, o presente e o futuro.

A quarta sala abrigará exposições com obras de artistas contemporâneos, inspiradas em alguma das muitas nuances que envolvem o café.

A obra de conclusão do centro cultural envolve também as novas salas para cursos de formação em arte, aumentando a capacidade de atendimento do Sesc na cidade. Elas ficarão no piso superior. A integração do prédio do Cadeião e da delegacia finaliza o projeto, orçado em R$ 7 milhões.

BUSCA ATIVA

A técnica de atividades da unidade, Viviane Feitosa, lidera uma equipe pequena e aguerrida na busca pelo incremento do acervo.

Enquanto os operários suam a camisa para cumprir os prazos da construção, o time de Viviane sai a campo.

“Já visitamos comunidades rurais e estamos divulgando em todos os canais possíveis esta oportunidade para que as pessoas e famílias contem sua parte desta história”, afirma.

“Nós queremos que estas histórias sejam contadas sob as mais variadas óticas. Neste momento, por exemplo, estamos priorizando o ponto de vista infantil e feminino, com objetos e relatos que enriqueçam a narrativa”, explica Viviane.

O Museu do Café será um espaço exclusivo  para mostrar a relação de Londrina com o grão que lhe deu fama mundial; a expectativa é que seja um espaço interativo para contar a história da cultura cafeeira
O Museu do Café será um espaço exclusivo para mostrar a relação de Londrina com o grão que lhe deu fama mundial; a expectativa é que seja um espaço interativo para contar a história da cultura cafeeira | Foto: Gustavo Carneiro

SEM REDUNDÂNCIAS

O risco de redundância no acervo com o Museu Histórico está afastado por um motivo muito simples. As duas equipes estão dialogando desde o início dos trabalhos, uma cooperação que, tudo indica, deve ser permanente.

“A UEL tem sido uma grande parceira, sobretudo a equipe do Museu Histórico, que está nos ajudando inclusive na composição do acervo”, ressalta Patrícia.

“Estamos trazendo outros pontos de vista da história. É um trabalho em conjunto”, completa Viviane. “Estão prestando uma consultoria técnica que é fundamental”, emenda Patrícia, sobre a cooperação com o museu que ocupa a antiga estação ferroviária.

“Não creio que haja risco de redundância, embora parte do nosso acervo fotográfico esteja sendo cedido ao novo museu. O café é apenas um dos elementos das nossas exposições”, explica Edméia Aparecida Ribeiro, diretora do Museu Histórico. “Nós contamos a história de Londrina com outras abordagens, como a presença dos povos originários na pré-colonização, a chegada e o impacto da ferrovia e o desenvolvimento do núcleo urbano. A abordagem do café é pontual e datada. O novo museu amplia e complementa o que contamos aqui”, esclarece Edméia.

A concepção de um museu tem assinatura coletiva e exige talento de articulação, como explica as líderes do processo. “A colaboração dos professores do curso de História da UEL, especialmente na parte de pesquisa, foi muito valiosa neste projeto”.

Patrícia destaca também as colaborações decisivas de entidades ligadas aos cafeicultores, como a Cooperativa Integrada e a Sociedade Rural do Paraná, além do corpo funcional da Câmara dos Vereadores.

TURISMO TEMÁTICO

O funcionamento do novo museu já causa expectativa na indústria regional do turismo.

Além de mais uma atração no catálogo, há expectativa do local se tornar uma espécie de sede para eventos gastronômicos, principalmente os promovidos pela Associação Rota do Café, entidade que promove um roteiro turístico que engloba passeios em fazendas de dez municípios do Norte e do Norte Pioneiro, “uma imersão ao mundo dos cafés especiais, (...) através de uma vivência do pé à xícara”.

No Sesc Cadeião, no antigo pátio destinado ao banho de sol dos encarcerados, já funciona um dos cafés-escola do Senac. O local agora deve ficar ainda mais movimentado com a abertura do museu. “Nossa conexão e parceria com o Sesc é de longa data. A unidade do Cadeião já faz parte dos nossos roteiros. E esperamos muito mais interesse com a inauguração do novo museu”, afirma a empresária Cristiane Yuri Toma, vice-presidente da associação.

Alex Canziani, presidente da Instituto de Desenvolvimento de Londrina (Codel), classifica como “fundamental” a instalação do novo museu. “Será uma grande referência para lembrar e valorizar a cultura cafeeira em Londrina, inclusive para estimular novos investimentos e inserir o município no emergente mercado dos cafés especiais do Paraná”, afirma o ex-deputado federal.

“Queremos que a comunidade continue colaborando com a formação do acervo e estamos dispostos a promover este equipamento como uma das grandes atrações da cidade”, promete.

* Nesta quarta-feira, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna Leitura, de Marcos Losnak.