Dear Eleanor; sinto muitíssimo não ter ido ao seu funeral – afinal tinha apenas um ano de idade e a Inglaterra ficava muito além do universo. Mas tenho fé na homenagem derradeira do Padre Mackenzie e suas meias cerzidas – pena o arroz ter ficado sobre a escada, aos pés dos noivos...

A solidão parece mais infeliz do que é. Pessoas solitárias compõem um coletivo e essa ideia por poderosa que seja pode estabelecer, além de réstias de felicidade, grandes transformações sociais.

Sei, entrementes, o que significa um dia na vida de quem tem sorte, quando as notícias voam, seja você um congressista ou um homem do povo.

Sigo imaginando como estará Lucy; vejo-a em um barco sobre um rio, com árvores de tangerina e um céu de marmelada, sem desconhecer que na cidade onde nasci um homem partiu para o Jagora de minha infância e voltou a tempo de contar a história dos submarinos e de um caminho para navegarmos até o sol, buscando o mar verde...

Imagino a ausência de um paraíso em seu estado bruto, desenhado em um estado laico, onde apego e fé seriam pautas pessoais, estabelecidas pelas circunstâncias de mulher e homem, não pelo charlatanismo dos que comercializam a estima baixa e a solidão alheias na venda indulgente de salvação e fé – ainda que possa parecer improvável, será fácil se você tentar imaginar comigo...

Cara Eleanor, o sargento Pepper está compondo com os corações solitários uma banda e, ainda que você não esteja lá para cantar, estará em espírito, trazendo o sol em seus olhos...

Ontem todos os meus problemas pareciam tão distantes e agora eles vieram para ficar. Acredito no dia de ontem, na medida em que palavras flutuam como chuva sem fim, dentro de um copo de papel...

.
. | Foto: Marco Jacobsen

Eleanor, todos irão gostar do show – afinal algum cantor irá cantar uma canção e isso, só por si, é magica pura a proteger das poças de tristeza as ondas de alegria, escorregando através do universo...

Feche os olhos Eleanor e eu a beijarei. Já sinto sua falta. Não preciso que venha o amanhã, nem esperar que meus sonhos se transformem em realidade...

Querida Eleanor; lhe dou todo meu amor e se você pudesse ver esse amor, você se amaria também – para modificar sua percepção sobre a solidão...

O mundo está girando e isso excita Eleanor; o céu é azul e isso me faz chorar. É minha felicidade, querida, quem me fez chorar – e na hora certa você saberá porquê...

Pássaro preto cantando no final da noite, pegue suas asas quebradas e aprenda a voar! Pássaro preto voe na luz da escura noite negra, em busca de um gosto do mel que é mais doce que vinho...

Todas as pessoas solitárias, de onde elas vêm? De onde elas são?

Dear Eleanor, não fique mal. Pegue uma canção triste e a faça melhor. Acredite ser possível melhorar e vencer a dor. Se lhe parecer difícil, lembre-se que quando me vejo em dificuldade a mãe Maria vem a mim e, na hora mais escura, fica em minha frente – sem que eu tenha que pagar por isso...

Eleanor, minha bela, até que eu encontre um jeito irei lhe dizer as únicas palavras que sei, a destempo de convidá-la a imaginar uma vida sem fronteiras – ainda que seja fácil viver em um mundo com os olhos fechados, compreendendo mal tudo o que se vê...

É nesse mundo, Eleanor, que existe um lugar onde eu possa ir quando estou triste. Quando estou para baixo. Onde não haverá tristeza amanhã...

Assim, quando a noite chegar e a terra estiver escura, será o luar nossa única luz...

Mulher, eu mal posso expressar minhas emoções confusas em meus descuidos, meus sentimentos profundos em agradecimento, por entender a criança dentro do homem.

Adeus querida Eleonor. O show, ainda que diminuído, não pode parar e a vida, para nós que ficamos a imaginar como teria sido envelhecer com John, passa a ter um outro gosto – desgosto?

Oito de dezembro há quarenta anos vem demarcando o entorno de minha solidão. Sigo feliz o quanto posso, ainda que solitário ao lembrar das canções. Foram tantas, tão extraordinárias e profundamente perturbadoras que não me encontro senão além do universo, na busca por imagens de luzes quebradas a dançar em minha frente...

Será para sempre Lennon? Será este o lugar a lamentar, onde sepultaremos nossas desculpas? Não sei. Sei que foi tudo muito rápido e a dor não diminui porque o mundo segue precisando de você...

Simples assim. Extraordinário assim. Mágico assim...

Com amor, João Locco.

* João dos Santos Gomes Filho é advogado