“Aquela poeira vermelha parecia o sangue daquela terra. Ela entrava dentro de você e não saía nunca mais. Mas também era uma poeira abençoada, porque terra igual não há. Um pé de café era o dobro do que era o de Minas Gerais, de São Paulo, do Rio. É por isso que todo mundo dava a vida para ter um pouquinho daquela terra”.

A descrição da agricultura no Norte do Paraná na Era de Ouro do Café feita pelo personagem Tenório, interpretado pelo ator Murilo Benício na novela Pantanal e exibida no capítulo da última segunda-feira (2), chamou a atenção dos espectadores paranaenses que acompanham a trama da Rede Globo. Diversas cidades da região foram citadas por ele, como Maringá, Marialva, Mandaguari, Sarandi, Astorga, Apucarana e Arapongas.

Na cena com 11 minutos de duração, Tenório narra as desventuras vividas na época em que perdeu os pais que trabalhavam como boias-frias e morreram num acidente de caminhão que transportava trabalhadores rurais no Norte do Paraná. O personagem também descreveu como deixou de ser “boinha”, que segundo ele era o diminutivo usado para boia-fria, e passou a atuar como “grileiro”, apesar se autodefinir como corretor de terras. Os conflitos vividos pelo personagem da novela retratam o drama real vivido por muitos trabalhadores daquele período.

Segundo o historiador Eder Cristiano de Souza, a Companhia de Terras Norte do Paraná produziu intensa propaganda da fertilidade e potencialidade da região, como um novo “Eldorado”, o que naturalmente atraiu brasileiros, sobretudo das regiões Sudeste e Nordeste, e estrangeiros. “Porém, nem todos foram casos de sucesso. Muitos compraram terras e não puderam pagar, ou já vieram para serem trabalhadores nas terras de outros”, contextualiza.

Formado pela UEL (Universidade Estadual de Londrina), Souza descreve vários conflitos que ocorreram após o declínio da cultura cafeeira em terras londrinenses no livro “Excluídos do Café: planejamento urbano e conflitos sociais em Londrina nas décadas de 1950 e 1960”, publicado pela Editora da UEL (EDUEL) em formato digital. Lançada em 2021, a obra é fruto da dissertação de mestrado do autor, que fez doutorado em Educação pela UFPR e atua como docente da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana).

Com base na pesquisa acadêmica, ele lembra que nos anos 1950 a cafeicultura já começava a declinar na cidade. “As fortes geadas de 1953 e 1955 tiveram grande impacto na região. Em Londrina, resultou, por exemplo, no deslocamento de trabalhadores rurais, que passaram a morar no meio urbano, mas continuaram a trabalhar no campo. Eram os boias-frias. Outro efeito foi a busca pela diversificação de atividades, o que motivou o crescimento da cidade”, aponta.

Souza ressalta que diante desse novo cenário ao longo dos anos 1950-1960 a distribuição do solo urbano na cidade de Londrina foi um tema muito relevante. “Ao mesmo tempo em que havia muitos terrenos ainda vazios no quadrilátero central, o crescimento populacional vertiginoso e o consequente aumento da pobreza, refletiam-se no surgimento de loteamentos irregulares nas áreas periféricas, assim como em ocupações em terrenos públicos e fundos de vale, os chamados "grilos". Nos loteamentos, era comum o poder público não exercer a fiscalização, o que acabava consolidando áreas com infraestrutura precária. Já nas ocupações, era mais comum a execução da reintegração de posse dos terrenos, apesar de não ocorrerem sem lutas e resistências”, relata.

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De acordo com ele, o caso mais significativo foi o "Grilo da Caixa", que aconteceu em 1966, quando um terreno de propriedade da Caixa Econômica Federal, às margens da BR 369, foi ocupado por cerca de 400 famílias. “Em dois anos, ocuparam uma área hoje conhecida como “Favela da Bratac”. Em 1968, saiu uma ordem de despejo e reintegração de posse que a polícia não conseguiu executar. Vários políticos da época se posicionaram a favor das famílias. No fim, a Caixa Econômica acabou cedendo, foi feito um grande investimento da Cohab e os ocupantes se mudaram para o novo conjunto habitacional. Porém, novos invasores iam para a área “liberada”. Muitos outros projetos de urbanização, revitalização e desfavelização vieram depois", ressalta o autor.

Imagem ilustrativa da imagem Personagem da novela Pantanal aborda grilagem de terras no Norte do Paraná
| Foto: Reprodução

Serviço:

Livro - “Excluídos do Café: planejamento urbano e conflitos sociais em Londrina nas décadas de 1950 e 1960”

Autor - Eder Cristiano de Souza

Editora – Eduel

Quanto – R$ 33 (edição digital) e R$ 55 (edição impressa)

*À venda no site www.eduel.com.br

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