O diretor Nanni Moretti aguça seu olhar social e exibe austeridade (incomum para ele) e concentração nos conflitos humanos, sem excessos verbais e piruetas vistosas. Este é o panorama que predomina em “Tre Piani” , o drama italiano que, depois de dois anos de paralisação, retomou a programação alternativa da Divisão de Cinema da Casa de Cultura de UEL, agora de volta ao Cine Teatro Ouro Verde – o filme será retomado na próxima semana, de segunda a quarta feira.

Desta feita, Moretti nem mesmo recorre, ao seu proverbial e particular senso de humor como espécie de panos quentes para confortar seus personagens infelizes. Um juiz (o próprio Moretti) preocupado com a causa de seu filho, que atropela um pedestre em noite de bebedeira; uma jovem mãe invadida pela maternidade e pela solidão obsessiva causada pela ausência do marido; e a história muito intensa de um pai confuso e a de um vizinho idoso com demência senil, com antecedentes de abuso sexual que a própria história (organizada com intervalos de vários anos) se encarregará de torcer com malícia e rancor.

“Tre Piani” tem em sua essência a alma do folhetim com abundantes golpes do destino, mas consegue manter uma temperatura equilibrada, buscando algo como “justiça objetiva” no olhar de seus personagens e respectivos comportamentos e mal-entendidos; e acima de tudo consegue amarrar sua estrutura em suas elipses e no peso coral das interpretações, mantendo equilibradas a intriga e a emoção.

O elenco reflete com seriedade o estado de confusão sofrido por seus personagens. E Moretti e seu filme trabalham com firmeza o ponto de atrito da história – a questão do abuso sexual, garantindo combustível suficiente para manter a controvérsia.

Imagem ilustrativa da imagem Os três andares de Nanni Moretti
| Foto: Imovision /Divulgação

Adaptação do romance homônimo do escritor israelense Eshkol Nevo, cujo original se passa em um prédio em Tel Aviv, o retorno e Nanni Moretti ao território melodramático das relações maternais e paterno-filiais (no retrovisor aquela bela obra-prima que foi “O Quarto do Filho”, Palma de Oro vinte anos atrás) tenta articular um caldeirão de relações entre filhos e pais em três famílias diferentes que vivem em três andares do mesmo edifício em Roma.

A narrativa mostra de imediato o desejo de construir um quebra-cabeça com múltiplas peças com ressonâncias umas nas outras, mas a arquitetura da história se apoia em roteiro repleto de reviravoltas dramáticas e se estende em três tempos diferentes, esticando e torcendo ainda mais o artifício.

Talvez, algum cinéfilo se pergunte, diante de “Tre Piani”, onde está aquele cineasta de três décadas atrás, idiossincrático e provido de rara inquietação e arguta inteligência. Aqui não há história política, nem quebras de tom, nem qualquer elemento que remeta ao humor lúcido do melhor cinema de Moretti.

Estamos diante de outro registro, talvez apontado há vinte anos, e ligeiramente, naquele “Quarto do Filho” , em Londrina exibido no Cine Com-Tour/UEL. Aqui, o que lhe interessa é explorar as regras do melodrama e do ficcional.

O cineasta não está interessado em ser autossuficiente, mas apenas em se colocar no lugar de um cineasta clássico de linha firme que explora, até o limite, as leis do melodrama em uma história coletiva que se desdobra em três etapas e que, como em todo melodrama clássico, fala dos rastros e das feridas geradas pela passagem do tempo.

Pictures from “TrePiani” by Nanni Moretti
Pictures from “TrePiani” by Nanni Moretti | Foto: Imovision /Divulgação

Ao abraçar o melodrama com unhas e dentes, Moretti não perde o pulso do gênero, do encadeamento das histórias para acabar falando da paternidade tóxica, da paternidade ausente e da paternidade destruidora.

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