Obama inaugurou isso de subir escada de avião correndinho, demonstrando disposição e agilidade, e Biden agora também sobe os degraus mais rapidinho do que fariam os presidentes a.O., antes de Obama. Nosso corpo fala, como se diz, mas o corpo dos políticos fala muito mais.

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. | Foto: Ben Stansall/ AFP

Fui ao comício das Diretas no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, em 16 de abril de 1984, o evento que enterrou a ditadura. Consegui chegar pertinho do palanque e vi Tancredo Neves falar. Era baixinho e, com repórteres, falava baixo. Mas em comício falava muito alto, na ponta dos pés, sacudindo o corpo a cada palavra, virava um gigante.

Angela Merkel sempre falou com o corpo ao não usar o corpo, com discrição de gestos que contrastava com a firmeza de voz e atitudes, sempre assim passando a mensagem de que não queria fazer média ou ganhar votos, apenas queria fazer o necessário e certo. Coerentemente, ao contrário da quase totalidade dos políticos, saiu da política renunciando a mais uma candidatura. Ao não falar com o corpo, falou como uma política de um futuro em que os políticos cumprirão mandato e irão pra casa.

O milionário prefeito Wilson Moreira, de Londrina, usava calças gastas de uso e um velho cinto, como a atestar sua visão de que o mais importante na administração pública é cada tostão. No entanto, perdeu a campanha para novo mandato quando, em debate televisado, corou atrapalhado ao tentar responder porque alugava um apartamento para a própria filha. Corou, o corpo demonstrando a vergonha ou o embaraço que sentia e...

Hosken de Novaes nunca quis se candidatar, sempre convocado para o que considerava um sacrifício. Era barrigudo e não escondia isso, e seu aperto de mão, molengo, quase que apenas escorregando a mão pela mão da gente, expressava sua vontade de não ter cacoete político, não se comportar como político, não se tornar político profissional. E entretanto foi vereador, prefeito de Londrina e governador do Paraná, com o mesmo barrigão de paletó aberto e mole aperto de mão, um caso raro de político de sucesso apesar do corpo.

Ao contrádio, Collor de Mello cultivava corpo atlético, inclusive com corridas para a mídia, o que não salvou do descrédito e da cassação o caçador de marajás.

O topete um tanto abusado para um presidente era o único detalhe corporal notável de Itamar Franco, a indicar um mulherengo que, entretanto, deixou o governo com honra, depois de mudar a moeda e vencer uma histórica inflação, sem qualquer denúncia de corrupção pessoal.

Michel Temer foi o presidente que falava com as mãos, quase como um maestro de palavras, sempre explicando fatos inexplicáveis de seu governo, e por isso, apesar de tanto manuseio retórico, acabou com baixa popularidade. Quando as mãos falam demais, parece que mentem.

Ficamos a esperar políticos que, em vez de falarem até pelos cabelos, como o premier britânico Boris Johnson, falem por atitudes. Como Mandela, que dançava nos comícios e, no auge da popularidade, ganhador do Prêmio Nobel, terminou o mandato presidencial, deixou o poder e também deixou saudade.

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