Em seu livro de estreia, “Cianureto”, a poeta londrinense Isabela Cunha apresenta “o exato invisível entre o hoje e o amanhecer”. Revela “o braço que agarra para não deixar enlouquecer”. Aponta para “a mão que junta as pontas para refazer o laço”. E exibe “a fumaça que flutua porque não quer ser café”.

A obra é dividida em três seções. Duas de versos, “Cianureto” e “Além”, e uma de imagens, “O Olho Como Máquina de Pensar o Tempo”, formada por fotos de Maikon Nery. O trabalho de Nery busca criar uma tradução visual para os poemas de Isabela Cunha através de fotos sequenciais sobrepostas.

O domínio da linguagem poética presente em “Cianureto” revela uma autora capaz de fazer uso certeiro de todos os caminhos que as palavras podem oferecer. A seguir, Isabela Cunha fala de seu primeiro livro e de sua relação com a literatura.

Como livro de estreia, “Cianureto” revela uma autora com maturidade de linguagem poética. Você escreve há quanto tempo?

Eu não sei responder muito bem há quanto tempo eu escrevo, mas sei que são mais de 10 anos. A escrita sempre esteve misturada ao meu cotidiano, fosse nos diários, nas redações da escola. Em 2010, no primeiro ano da faculdade, comecei um blog de textos literários, hoje considero como um marco, um ponto de partida para contar esse tempo de escrita.

E qual seu interesse pela literatura?

Não me considero uma grande leitora. Sempre li de forma caótica, que acho que também é a forma como escrevo. Quando eu era criança, entendia a literatura como lugar de gente importante, coisa séria. Então, idealizava esse universo muito mais do que praticava a leitura, sabe? Mas acho que, apesar disso, no meu meio eu ainda lia um pouco mais do que a média. Hoje, que conheço melhor a literatura, me encantando com a universalidade dessa experiência de trabalhar com a palavra, uma experiência que entendo e festejo como uma possibilidade à disposição de todos e de todas nós.

A edição de “Cianureto” possui uma parceria com o designer Maikon Nery com imagens. Qual a intenção em unir poesia e imagem?

Acho que esse caderno de visões é uma sacada muito legal que o Maikon Nery teve. Quando convidei o Maikon para pensarmos esse projeto, eu tinha um arquivo em word com textos de muitas épocas diferentes, tudo bem cru, organizado sem nenhuma lógica. Enviei esse material para ele e indiquei que gostaria que ele fizesse uma intervenção no trabalho, queria um projeto em parceria mesmo, a quatro mãos. Eu já tinha visto o Maikon fazer isso antes, sabia que ele tinha essa sensibilidade, que daria certo. Quando olho essas fotos, imagino que ele tenha percebido alguma potência imagética dos textos e tenha buscado recortes consonantes, sabe? Algo como uma “tradução visual”.

Como você define sua poesia?

Poxa, difícil. Sempre escrevi. A escrita sempre esteve misturada na minha vida. Então, é difícil defini-la como uma coisa mais que isso, ou diferente disso. Com o tempo, fui entendo que essa dinâmica é comum na escrita de autoria feminina, essa escrita misturada no cotidiano, na vivência, então, também entendo, hoje, que a minha escrita se localiza aí, no universo da autoria feminina. E isso me deixa feliz, porque percebo uma potência, desde quando a Virginia Wolf falava sobre isso no ensaio “Teto Todo Seu”, até hoje, quando a Gloria Anzaldúa fala sobre a importância de, não tendo um teto para si, escrever em todos os lugares, no ônibus, na praça, entre as panelas do jantar. Acredito que também escrevo nesse lugar, porque a possibilidade e o desejo de escrever coincidem em mim, mesmo quando a condição não é a ideal.

Em alguns poemas do livro, você aborda a posição desfavorável da mulher diante do mundo masculino. Também aborda a posição duplamente desfavorável das mulheres negras. Você possui interesse em defender causas em sua poesia?

Acho que explicitamente, não. Não é o que me move e também não me identifico com trabalhos que se tornam panfletários. Acho que, na verdade, minha tendência é me policiar com relação a isso. Mas escrevo o que sinto, e realmente sinto dor, tristeza, raiva diante do modo desigual como a sociedade ainda se organiza. Penso que isso que chamam de “ferida colonial”, o racismo que se perpetua ainda que o capitalismo se reorganize, ou a misoginia, essa necessidade de manter as mulheres subalternizadas para conservar certos lugares de poder, ambas são fundadoras da nossa realidade, pilares que seguram essa estrutura. E se sou mulher e se sou negra, não posso fugir de me afetar por essa realidade. Ainda assim, não busco militar na minha poesia. Acho que o que eu faço é mais grave. Se posso colocar desse modo, acredito que quando escrevo, na verdade, subverto essa realidade.

Como é publicar o primeiro livro?

Para mim, teve e ainda está tendo muitos significados. Sinto que o primeiro livro é uma chancela, uma autorização. Tenho menos medo de pensar sobre mim como escritora, tenho sentido mais carinho e mais cuidado com a minha escrita, com a literatura. E também estou vivendo essa experiência nova de saber como o texto reverbera em outras pessoas que não o meu círculo de amigos. Acho que a vida foi generosa comigo durante todo o processo de “Cianureto”, tenho sentido como uma boa conclusão desses anos de escrita e também como um começo legal no universo das publicações.

Serviço

Imagem ilustrativa da imagem O antídoto da palavra
| Foto: Reprodução

“Cianureto”

Autora – Isabela Cunha

Imagens – Maikon Nery

Posfácio – Layse Barnabé de Moraes

Editora – Edição do Autor

Páginas – 80 (capa dura)

Quanto – R$ 50

Patrocínio – Promic

Onde Encontrar – Loja Madá (Avenida Carlos Gomes, 145) Armazém do Campo (Rua Piauí, 95, loja 2) e Café com Propósito (Rua Espírito Santo, 1123)

Leia mais: https://www.folhadelondrina.com.br/folha-2/o-comeco-de-tudo-e-o-fim-de-todas-as-coisas-3205754e.html

Receba nossas notícias direto no seu celular, envie, também, suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1