É possível ser um “herói” em uma sociedade sob vigilância, seja das forças políticas dominantes ou sob a própria lógica do boato, hoje elevado à categoria de infâmia e rebatizado nas redes sociais como fake news ? Isso, em parte, é o cerne do que propõe

“Um Herói”, a visão humanística do iraniano Ashgar Farhadi, o mesmo de “A Separação” (exibido pelo Cine Com-Tour/UEL em 2012).

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O filme conta a história de um homem que faz – ou tenta, ou parece fazer – uma boa ação, mas que, ao mesmo tempo, pode ser apenas adequada às suas necessidades e interesses específios imediatos.

E o crédito social que vem desse fato logo começará a se complicar quando muitos suspeitarem que, na realidade, seu ato de heroísmo pode não ser o que parece. Ou, pelo menos, não como ele conta.

Se você encontrasse na rua uma bolsa recheada de ouro – o que você faria? Tentaria devolvê-la ou ficaria com ela? “Um Herói” trabalha com a consequência dessas duas ações. O filme dirigido por Ashgar Farhadi, que segue em exibição no Ouro Verde a

partir da próxima segunda-feira (15), está focado no personagem Rahim (Amir Jadidi), o herói do titulo. Ele está preso por não ter conseguido pagar uma dívida e agora terá dois dias de liberdade para tentar acertar o débito e assim fazer com que seu credor retire a queixa que o levou à prisão. No entanto, fatos diversos e complicadores acontecem durante esse curto espaço de tempo.

Com um início lento, o filme vai aos poucos desenvolvendo as tensões à procura de um rítmo para torná-lo mais envolvente e, acima de tudo, empático.

“Um Herói” relata uma série de eventos infelizes, bastante simples, mas que carregam intenso significado do ponto de vista ético e moral. É impossível ao espectador, ao final, não questionar suas próprias decisões se estivesse diante de impasse semelhante. Alguns momentos remetem às redes sociais como determinantes para classificar um comportamento como

bom ou ruim, com todos os problemas que sabemos que isso acarreta, desde uma condenação no Twitter ou no Facebook, mesmo que sustentada em notícias não confiáveis ​​e, representando certo viés, podendo rapidamente virar uma bola de neve e

derrubar toda a opinião pública. No entanto, Farhadi não insiste muito nesse aspecto mais contemporâneo, preferindo conduzir sua história por meio de conflitos mais tradicionais e em um quadro mais rígido.

Farhadi, resguardado por sua habitual meticulosidade formal e discursiva, constrói com inteligência o cerne da história sob o pretexto de um dilema ético que tem a ver com o conflito subjacente de interesses. O ótimo roteiro deste diretor, que pode ser

lido/visto/avaliado como lição de cinema da mais alta qualidade, deu origem a uma obra autoral com tudo o que a caracteriza. Aliás, sua filmografia é prova disso e pode ser definida pela construção de histórias com várias camadas e subtramas para, em geral, lidar com as diferentes derivações ou interpretações de uma mesma dúvida.

A elaboração do roteiro e sua fidelidade quando transferida para a tela são então essenciais, além da própria construção narrativa, pois cada diálogo, por mais trivial que pareça a priori, fornece uma informação-chave sobre a trama ou a interpretação do conflito em questão.

Não por acaso “Um Herói” levou ano passado o Grand Prix (o segundo mais importante) em Cannes. É uma história que oferece muito mais do que aparenta. Uma história sobre honestidade, honra e o preço da liberdade. Um drama que ainda se beneficia pelo notável desempenho sutil de Amir Jadidi.

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