Francis Hime talvez seja um dos mais importantes nomes da canção popular brasileira, produzindo em plena forma desde a década de 1960 e exercendo funções como cantor, compositor, instrumentista, arranjador, regente, produtor e letrista bissexto.

Carioca nascido em 1939, o artista multifacetado ainda é lembrado pelo grande público pela parceria com Chico Buarque - que rendeu, por exemplo, os sucessos “Atrás da Porta” e “Trocando em Miúdos” -, mas suas contribuições vão muito além, passando pela música de concerto e trilhas sonoras de teatro e cinema.

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As particularidades dessa longeva carreira estão registradas no livro “Francis Hime: ensaio e entrevista” (Editora 34), do jornalista e escritor londrinense André Simões. Como o nome evidencia, a obra de 384 páginas traz um ensaio assinado por Simões, em que as composições são vistas com um olhar profissional e técnico, uma longa entrevista no formato pingue-pongue, em que toda a produção musical de Hime é discutida, a discografia e musicografia completa e uma pesquisa iconográfica que reúne mais de 150 imagens.

O projeto começou a ser idealizado por Simões em dezembro de 2015, que apresentou ao musicólogo Zuza Homem de Mello a vontade de preencher essa lacuna do mercado editorial, já que até então não havia uma obra tão completa sobre Hime.

“O Francis Hime é muito conhecido e prestigiado no meio artístico, quem conhece canção popular sabe da sua versatilidade. Mas, para o público em geral, ele está muito restrito a ser conhecido como parceiro do Chico Buarque em algumas canções de sucesso durante um certo período de tempo”, afirma Simões.

E não é à toa. Respeitando a importância do trabalho com Buarque, Simões ressalta que Hime manteve parceria com alguns dos melhores nomes do Brasil quando o assunto é música popular. Vinícius de Moraes, Ruy Guerra, Paulo César Pinheiro, Olívia Hime e Geraldo Carneiro são alguns dos mais recorrentes, além de parceiros pontuais como Milton Nascimento, Gilberto Gil e Toquinho.

“Do ponto de vista da análise musical, vimos uma lacuna e que a obra do Francis deveria ser trabalhada de uma maneira mais adequada, que tentasse estar à altura de tudo tão amplo que ele produziu na canção popular, na música de concerto e nas trilhas sonoras. É um músico muito versátil”, avalia o autor, pontuando que Zuza gostou da ideia e a pesquisa em si começou em 2016.

FORMATO

O livro acompanha os primeiros contatos do compositor com a música, quando, ainda jovem, tinha hesitação entre a veia artística e a profissão de engenheiro - muito por isso, seu primeiro álbum só veio em 1973, “Francis Hime” - até sua produção atual.

E o intuito de Simões foi escrever um livro inspirado em “Hitchcock/Truffaut: entrevistas”, em que François Truffaut discute de forma integral a obra de Alfred Hitchcock, que é reverenciado como “Mestre do Suspense”.

“A minha ideia foi se basear nessa entrevista e foram umas 15 horas gravadas ao longo de várias sessões”, citando a “generosidade” de Hime nas conversas. “Eu tinha uma pretensão completista de passar a carreira dele quase canção por canção, e chamar atenção para a riqueza da obra que poderia passar despercebida.”

Além disso, a pesquisa iconográfica, que tem méritos da editora, contribui para o formato, já que, de certa forma, as fotografias, rascunhos de letras e cartazes selecionados dialogam com os assuntos que são abordados tanto no ensaio quanto na entrevista.

A pesquisa do autor se reflete também no catálogo da obra de Hime, que está na parte final do livro. Foram levantadas canções que nem mesmo o compositor se lembrava. “Reunir isso foi um trabalho penoso, mas eu tentei usar meu repertório para poder coletar essas informações e conseguir dar um caráter de acrescer alguma coisa à discussão da obra”.

PROFUNDIDADE

O autor destaca que seu desafio nesta obra foi “colocar um pouco mais de profundidade técnica” e evitar que o texto ficasse enfadonho. Ele cita, por exemplo, que críticas cinematográficas e literárias corriqueiramente abordam aspectos técnicos, mas isso acaba ficando de lado quando o assunto é canção.

“Se você fizer uma crítica e escrever sobre acorde, sequência harmônica, parece que está sendo esnobe”, diz Simões. “Você pode inserir informações não só pelo prazer, mas para contribuir para a educação do público consumidor.”

Na sua opinião, isso acaba desvalorizando a canção popular, que é “a arte brasileira que mais repercute nos chamados países de centro”.

SERVIÇO

“Francis Hime: ensaio e entrevista”

Autor - André Simões

Editora - Editora 34

Páginas - 384

Quanto - R$ 92