Em se novo livro, “Dispneia Distópica”, a poeta londrinense Edra Moraes entra pela primeira vez no território da prosa. Lançado pela editora Patuá, a obra reúne contos que percorrem as ironias do amor.

São histórias de personagens que, dentro da sociedade contemporânea, vivem uma existência de resignação, seguindo sempre em frente. Nas palavras da autora, uma dispnéia relativa a uma falta de ar “que não vem da máscara nem do isolamento da pandemia, mas do entorno, uma sociedade fascista se revelando por trás das máscaras”.

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Edra Moraes lança o livro nesta quinta-feira (24), na FLIP - Festa Literária Internacional de Paraty, 19h, na Casa Gueto. Em Londrina o lançamento acontece dia 3 de dezembro no Sesc Cadeião. Em Curitiba, dia 18 de dezembro na Feira do Poeta do Lago da Ordem.

Nos nove contos de integram “Dispneia Distópica” sempre transparece, em maior ou menor intensidade, uma abordagem irônica sobre o amor. Retratos de um amor que une as pessoas de uma maneira peculiar: não olhando apenas na direção dos acertos, mas principalmente na direção dos desacertos e suas grandes revelações.

Autora de dois volumes de poesia, “Da Divina, da Humana e da Profana” (2010) e “Para Ler Enquanto Escolhe Feijão” (2016), Edra Moraes possui versos publicados em diversas antologias literárias. A seguir ela fala sobre se novo livro, “Dispneia Distópica”.

Você se dedica à poesia há um bom tempo e agora está lançando “Dispneia Distópica”, um livro de contos. Como foi percorrer o caminho da poesia para a prosa?

Um desafio, mas um desafio que eu me propus. Surgiu como um insight, estava dando uma entrevista e me perguntaram sobre minhas escritoras favoritas, e fui elencando, foi quando percebi que era uma leitora apaixonada por contos, e me questionei o porquê de nunca escrever contos. Escrever narrativa para mim era complicado, acabava sempre com cara de prosa poética, porque não tenho apego a fatos, mas as emoções e perturbações que eles trazem. Mesmo tendo um projeto como contadora de história sempre escolhia textos de outros escritores. O desafio ia além do tema, queria experimentar formatos, o livro vai do miniconto, ao conto mais ao gosto europeu, que é mais longo, o short stories.

O conto “Janelas da Quarentena” traz um retrato da pandemia do covid, desenha um perfil íntimo do ser humano urbano diante da pandemia. De que maneira a pandemia entrou em sua literatura?

Como um presente. O isolamento social me agrada, na verdade agrada a todos nós, se não nos deixarmos levar pela obsessão que as pessoas têm em “socializar.” Neste momento fui para home office, e passei a ter muito mais tempo. Além de ler e escrever, realizei vários cursos, inclusive um de roteiro, que será certamente meu próximo experimento. O conto surgiu de um pensamento, “estamos vivendo na janela”, era o que restava, fosse do celular, do computador, ou a janela de casa, era ela que nos conectava com o externo. Depois veio o processo, queria experimentar um conto longo, como short stories, e foi natural. Para trabalhar a falta de fôlego, cada janela é quase um miniconto, e uma boa dose da compreensão da alma humana e o interesse pela vida do outro, também conhecido como fofoca.

Segundo Edra Moraes, o livro 'Dispneia Distópica' reúne contos que não vêm da "falta de ar durante a pandemia, mas do entorno, de uma sociedade fascista revelada atrás das máscaras"
Segundo Edra Moraes, o livro 'Dispneia Distópica' reúne contos que não vêm da "falta de ar durante a pandemia, mas do entorno, de uma sociedade fascista revelada atrás das máscaras" | Foto: Yashiro Manuel Imazu/ Divulgação

O amor aparece em vários contos de “Dispneia Distópica” tratado com uma boa dose de ironia. Você considera que, nos dias de hoje, o amor se tornou irônico?

Ah! O amor! Se eu for sincera com você, este amor romântico, nunca me pegou, se sofri os preconceitos que sofri foi justamente por isto. Para mim o amor deveria sempre nascer em uma paixão e se construir, mas é na construção que nos perdemos.

Porque a paixão é química, e ela rola o tempo todo, com diferentes pessoas, o amor é convivência, são necessários sonhos, planos e uma boa dose de admiração mútua. Mas não há quem esteja disposto a abdicar do ópio de viver a paixão. Há os que traem, e os que vivem livremente, cientes que não são capazes. Mas não há fidelidade que dure mais que sete anos, observo o que vivo a minha volta e o que vivi. Não acredito que vamos como sociedade reverter isto. A fidelidade é utopia e o casamento se tornou uma distopia para a maioria das mulheres. Digo mulheres porque o peso da traição feminina para o julgamento social é maior.

O conto que fecha o livro, “Conto Sem Fim...”, coloca o passado, o presente e o futuro em uma mesma dimensão de um casal. Qual a intenção da história?

É meu conto preferido. Ele nasceu há dez anos, eu fui escrevendo, escrevendo, ele não acabava, não era uma novela, não virava romance. Me apeguei aos personagens, ao casal. Em algumas ocasiões, escrevia apenas para vê-los juntos. Te agradeço pela interpretação, sinto como se tivesse conseguido o que queria. A vida que vivemos é isto, um passado sempre como sombra, um presente que não se realiza, e um futuro que projetamos. Encontros que nos definem e que muitas vezes moldam a nossa busca. No fundo, tudo que os personagens querem, é que seja verdade. Mesmo que a morte seja o tema, é manter-se vivo a meta. A personagem principal deseja que o homem seja o predestinado, e ele, aos poucos, vai assumindo o destino.

Além de poeta e escritora, você atua em vários projetos literários de formação de leitores. Para você, como a literatura se encaixa na vida das pessoas?

A literatura salvou a minha vida. A literatura me fez conhecer o mundo além do mundo que eu vivia, que era feio, triste, violento. Ler ou escrever nos torna mais compreensivos, porque passamos a conhecer a natureza humana através de personagens e situações que não conseguiremos viver. Além, é claro, de melhorar vocabulário, capacidade de expressão e articulação. Estamos vivendo em um mundo que as pessoas xingam você na internet porque você não gosta do mesmo sabor de sorvete. Isso porque não sabem argumentar, não sabem nem porque disseram o que disseram. Quem não consegue dizer o que sente e pensa, adoece ou mata o outro para sair vitorioso.

Afinal, o que é uma dispneia distópica?

Uma falta de ar, que não vinha da máscara nem do isolamento, mas do entorno, uma sociedade fascista se revelando, por trás das máscaras. Como poeta, uso as palavras acreditando mais no significado que irão adquirir, do que seu significado no dicionário. Já a palavra distópica vem somar com sua carga política, de um sistema opressor, autoritário, tornando a vida insuportável. Vinda de um sofrimento causado por um governo sem empatia, sustentado por uma sociedade que eu já conhecia, mas que até 2018 tinha vergonha de se expressar, não era um discurso aceito. Os contos, de uma forma em geral, são contos desta sociedade, são personagens sofrendo o mundo em que vivem, em resignação, como nós, apenas vivendo e seguindo em frente.

Imagem ilustrativa da imagem Livro de contos de Edra Moraes traz ironias de amor
| Foto: Divulgação

Serviço:

“Dispneia Distópica”

Autora – Edra Moraes

Editora – Patuá

Ilustrações – Dani Chineider

Apresentações – Zeca Corrêa Leite e Augusto Silva Leber

Páginas – 96

Quanto – R$ 45

Lançamentos:

– Dia 24 de novembro na FLIP, 19 horas, Casa Gueto, Paraty.

– Dia 03 de dezembro, 19h, no Sesc Cadeião Londrina (Rua Sergipe, 52).

– Dia 18 de dezembro, 10h, na Feira do Poeta de Curitiba (Largo da Ordem).

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