Logo após a promulgação da Lei Áurea (1888) que colocava fim na escravidão do Brasil, o Ministro da Fazenda Rui Barbosa ordenou que todos os documentos e registros sobre a escravidão existentes em arquivos do Estado fossem queimados.

Os arquivos deveriam ser, literalmente, arder em chamas em praça pública. Queimados numa grande fogueira, com direito a banda de música militar e festa.

Aprovada pelo Congresso, a justificativa era de que se tratava de um ato humanitário “em benefício dos ex-escravos”.

A medida pretendia apagar e esquecer todo o passado do país. Esquecer os séculos de escravidão. Esquecer o sistema desumano e cruel que gerou toda a riqueza econômica das elites portuguesas e brasileiras ao longo de quatrocentos anos – do

século 16 ao século 19.

Em seu novo livro, “Escravidão – Volume III – Da Independência do Brasil à Lei Áurea”, o jornalista paranaense Laurentino Gomes demonstra que o objetivo da fogueira era outro: “Segundo muitos historiadores, o ministro queria mesmo eliminar as provas que pudessem ser usadas pelos ex-proprietários de escravos caso decidissem recorrer à justiça para obter a indenização pelos prejuízos econômicos, causados pela Lei Áurea de 13 de maio de 1888.”

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Para Laurentino, o “Brasil branco dos colonizadores” tentou apagar os vestígios da escravidão: “Muitos documentos sobreviveram à ordem de Rui Barbosa e hoje servem para comparar que o escravismo brasileiro foi tão brutal e cruel quanto em

qualquer outra parte do mundo. Como uma ferida mal cicatrizada, o legado da escravidão é visível na paisagem, nas estatísticas e no comportamento das pessoas. O resultado é um país segregado, desigual e violento. O racismo se mantém como um traço característico da sociedade brasileira.”

TRAJETÓRIA

Autor dos best-sellers “1808”, “1822” e “1889”, Laurentino Gomes começou a trabalhar dez anos atrás no projeto de escrever sobre a história da escravidão no Brasil. Idealizada em três volumes, “Escravidão – Volume I – Do Primeiro Leilão de Cativos

em Portugual até a Morte de Zumbi dos Palmares” foi publicado em 2019. O volume seguinte, “Escravidão – Volume II – Da Corrida do Ouro em Minas Gerais até a Chegada da Corte de Dom João ao Brasil”, foi publicado em 2021. Agora chega às

livrarias último volume do projeto, “Escravidão – Volume III – Da Independência do Brasil à Lei Áurea”.

Lançado pela editora Globo, no 3º volume de “Escravidão” o autor demonstra como após a proclamação da Independência do Brasil (1822), a nobreza portuguesa assinou vários tratados com a Inglaterra para colocar um fim no comércio de escravos

africanos. Assinou, mas não cumpriu nenhum deles. Continuou a estimular o comércio de seres humanos devido aos altos rendimentos. A origem do termo “para inglês ver” nasceu nessa época. A monarquia assinava os tratados e fingia que não tinha assinado nada, convertendo o tráfico de escravos em uma atividade econômica clandestina.

Entre a Independência do Brasil (1822) e aprovada da Lei Eusébio Queiroz (1850), lei que definitivamente declarava o tráfico ilegal de escravos, o país viveu um dos maiores lucros do comércio de humanos de etnias africanas. No contrabando de escravos, os grandes cúmplices, devido ao comércio altamente lucrativo, eram policiais, militares e altas autoridades do Império.

No 3º volume de “Escravidão”, Laurentino demonstra a atuação das duas principais forças que lutaram contra e a favor do fim da escravidão. De um lado os fazendeiros de café (que na segunda metade do século 19 representavam os maiores compradores de escravos), de outro os abolicionistas (que batalhavam em todas as frentes em prol da abolição). Também apresenta como com a abolição, de um dia para outro, os escravos não receberam nenhum tipo de assistência e permaneceram à deriva da sociedade e do processo econômico. E como a implantação do projeto governamental de embranquecimento do Brasil, que financiou e favoreceu a imigração milhares de europeus para substituir a mão de obra escrava negra, dimensionou desigualdades sociais e preconceitos.

Com o final da escravidão, os negros foram jogados ao mundo sem direção e sem destino: “Privados do acesso a terra, a moradia, a educação e a própria cidadania, a população negra e afrodescendente seria vítima de outra espécie de abandono, que tentaria privá-la de sua própria identidade. O objetivo, neste caso, era apagar ou reescrever a memória da escravidão e das raízes africanas brasileiras.”

Na conclusão dos três volumes, após dez anos de pesquisa, o autor deixa claro: “Hoje, ao chegar ao final desta jornada, já não tenho mais dúvida: os negros brasileiros, tanto quanto os indígenas, foram e continuam vítimas de um processo sistemático de

genocídio.” E que esses dois processos de genocídios sempre se trataram objetivamente de atividades econômicas de alto rendimento. Em resumo, tudo por dinheiro.

Imagem ilustrativa da imagem Livro de autor paranaense mostra as eternas marcas da escravidão
| Foto: Divulgação

Serviço:

“Escravidão – Volume III – Da Independência do Brasil à Lei Áurea”

Autor – Laurentino Gomes

Editora – Globo

Páginas – 592

Quanto – R$ 69,90 (papel) e R$ 44,90 (e-book)