Há aquele ditado popular de que “a grama do vizinho é sempre mais verde”, indicando que o que olhamos de fora parece ser mais interessante, mais leve ou melhor de se viver, mas e quando você e o vizinho um dia já fizeram parte do mesmo terreno?

Vez ou outra a vida cria fronteiras físicas com barreiras difíceis de serem quebradas, há também as linhas imaginárias que dividem espaços sem ao mesmo precisar de um risco no chão. A realidade entre o México e Estados Unidos se encontra entre o físico e o fantasioso, entre os rios e secas que dividem as identificações entre povos que antigamente eram de um mesmo local.

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Nascida na Cidade do México, Violeta Luna, atriz, performer e ativista, chega pela primeira vez a Londrina com o espetáculo, “Apunte sobre la frontera.” Desde 2005, ela se apresenta em festivais pelo Brasil, dessa vez, contando a história da imigração e deslocamento em massa de pessoas que saem em busca de um novo lugar, imigrantes que encontram a vulnerabilidade, marginalização do corpo e exposição ao abuso.

A “performance política”, como a atriz chama, é inspirada principalmente nas mulheres que deixam seu país de origem em busca de melhores condições de vida para seus filhos, para Violeta é necessário criar uma narrativa que difere o olhar sobre esses caminhos e iniciar um diálogo mais abrangente sobre os processos migratórios: “Penso como performance política porque é questionadora, subverte e intervém, está implícito em qualquer espaço que cria algo contra uma narrativa, um espaço político que pode operar e tirar essas construções”.

Um dos destaques que fazem parte da pesquisa para o solo é a história de Rosa Molina, que chegou aos Estados Unidos como imigrante, vinda de El Salvador durante a guerra, onde vivenciou condições desumanas para sobreviver. Ela é mãe do músico David Molina, que integra a equipe do espetáculo e é o responsável pela música original: “Foi a primeira vez que ela expôs essa história em 22 anos. Ainda me emociono quando falo disso. Tivemos acesso a muitas histórias fortes, dolorosas, e realmente as mulheres são muito resilientes e guerreiras”, conta Violeta.

IMPACTOS

Há 17 anos a artista reside em São Francisco, na Califórnia, seu olhar é impactado diariamente fora do seu local de origem:“Precisamente como mexicana, nunca havia pensado em me mudar para os Estados Unidos, comecei a trabalhar como artista desde o México, fiz uma migração afetiva pois precisava estar perto de pessoas de lá”. A visão de alguns cidadãos norte-americanos por diversas vezes ainda se encontra em um local nacionalista e não receptivo.“Uma vez estava no ônibus conversando no celular, em espanhol, quando uma mulher me parou e falou ‘Aqui é a América, fale em inglês!”, fiquei calada e paralisada, e então decidi que deixaria o meu trabalho falar por mim, o espaço da arte nos proteja nesse sentido, nos dá espaço para ter voz”, comenta a artista.

Para além dos conflitos identitários nesse terreno transitório da fronteira, é criada uma cultura de intermédio, onde um lado acaba encontrando reconhecimento no outro, através de um eixo complexo que é transmitido em obras de artistas, como nas performances de Luna: “Há as fronteiras estéticas e geográficas dos dois lados, são trabalhos que se cruzam, pois há essa contaminação, já que parte do meu trabalho de teatro expandido por sua interdisciplinaridade, além de ser para a comunidade é também comunitário, trabalho com coletivos de mulheres que ainda não possuem todas as documentações, vamos construindo muitas pontes”.

Violeta LUna: performance política expõe as feridas e acriminalização do imigrante mexicano nos EUA
Violeta LUna: performance política expõe as feridas e acriminalização do imigrante mexicano nos EUA | Foto: Cleideide Oliveira/ Divulgação/ FILO 2023

EM LONDRINA

Pela primeira vez na cidade, Violeta Luna já conheceu novos lugares e artistas com outros pontos de vista e trajetórias: “Estou me sentindo muito feliz em fazer parte do FILO porque é uma oportunidade de ver os profissionais e artistas que estão na organização, uma ótima maneira de conhecer um lugar. Também assisti a uma das apresentações de um grupo londrinense, o “Carne Viva” e conheci o Canto do Marl”.

“Apuntes Sobre La Frontera” se originou de um projeto que se chamou “Tríptico De La Frontera”, que eram três partes de uma obra do coletivo de artistas: Secos & Mojados (‘Secos e Molhados’), de São Francisco. Integrado por Luna, o grupo recebe esse nome devido a forma e condições que imigrantes chegam do outro lado da fronteira, após cruzarem a pé pelo deserto ou a nado, pelo Rio Grande. Assim nasce a expressão pejorativa “mojados”, “é pejorativa para os imigrantes que cruzam do México para os EUA, também há um outro termo muito forte que, infelizmente, ainda usam, é ‘wet back’ (“costas molhadas”)”.

CRIAÇÃO

A obra vem se formando desde 2007, e se firmou em 2011, uma criação de alerta sobre as situações territoriais muito bem conhecidas por Violeta e seu povo, feridas expostas e exigências cada vez mais pesadas e truculentas para quem quer transitar, abordando desde a saída do país de origem, crueldade e criminalização do imigrante, até conflituosa convivência em um país que bloqueia as fronteiras, mas usa de forma desumana a mão de obra de quem consegue atravessar: “Minha experiência de artista é como mulher latina e imigrante, dentro dessa relação muito complexa com os EUA, isso determinou muito a forma de ser e de como leio o trabalho e, como artista tenho espaço de privilégio”.

Territórios conectados e que divergem na forma de olhar esses espaços, temáticas duras que necessitam de um cuidado ao serem abordadas para não gerar ainda mais estranhamento e violência. São homens, mulheres e crianças em travessias perigosas em busca de uma nova chance de vida, em um local que dificilmente os enxergam como sonhadores. Não há como a arte não ser atravessada por essas fronteiras, Violeta Luna pode transitar livremente por meio da sua legalidade e trabalho artístico, apresentar os resultados dessas fronteiras no foco do palco: “É um tema mundial que afeta a população de uma maneira muito forte, por exemplo, na Europa, antes se sabia da imigração, mas havia uma imagem de serem receptivos, mas podemos ver recentemente que houveram mais 500 mortos no mar mediterrâneo. então a peça chega impactando muito forte, precisamos pensar a figura dos imigrantes sem estigmatizar, sem achar que irão infectar a nossa cultura, mas sim trazer coisas raras”.

SERVIÇO

Espetáculo: Apuntes sobre la Frontera – México

Local: Divisão de Artes Cênicas UEL (Av. Celso Garcia Cid, 205)

Data: Quinta-feira (22), às 21:00 I sexta-feira (23), às 21:00

Local: Casa de Cultura UEL (Av. Celso Garcia Cid, 205)

Classificação indicativa: 14 anos

Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada) no site do FILO ou na plataforma Sympla

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Patrocínio: Prefeitura de Londrina / Secretaria Municipal da Cultura / Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic).

Apoio: Universidade Estadual de Londrina – Casa de Cultura, Espaço Villa Rica, Fecomércio/Sesc-PR, Kery Grill, Rádio UEL FM, EJ Rosa Amarela, Folha de Londrina, Laboratório de Cenografia e Cenotécnica, Sanepar/Governo do Estado do Paraná, Canto do Marl e Vila Triolé Cultural. Realização: Associação dos Profissionais de Arte de Londrina.