Diante da qualidade dos espetáculos apresentados em Londrina, o prestígio do público é um aceno positivo e tanto. Em 2023, as casas cheias, as filas de chamar a atenção, ingressos esgotados e um coro de bis revelam também a satisfação pela arte presente.

O canto, a dança, a dramaturgia ganham sentido com a voz, o movimento e interpretação dos artistas, capazes de transformar o silêncio, a inércia e tantas histórias guardadas. A céu aberto, em teatros ou palcos improvisados, a expressão cultural rompe com o cotidiano de forma a deixá-lo mais completo.

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Fora de cena, há muita resistência de artistas de todas as áreas. A busca por espaços, por incentivo, parceiras e verba para concretizar ideias e projetos é uma constante em todo o País. A todos que persistem, o público satisfatoriamente agradece. O teatro, a dança de rua, as oficinas de escrita e leitura são essenciais e transformam as pessoas.

APLAUSOS DE PÉ A DR. GABRIEL

Entre os programas culturais que se destacaram neste ano, a curta temporada de "Dr. Gabriel - Uma Alma Partida", peça teatral escrita pelo médico cardiologista e autor de outras obras Marco Antônio Fabiani, deixou um gosto de quero-mais a quem a assistiu. Quem não pode ir segue na expectativa. Foram três noites de apresentação no teatro da AML Cultural com todas as 126 poltronas ocupadas.

"Nem nós pensávamos que um personagem histórico da cidade despertaria tanto interesse. Então, quando vimos a procura, ficamos, claro, felizes e surpresos! Vamos reapresentar em 2024 sim. Estamos vendo e nos organizando para isso. Seria lá pelo mês de março e temos ideias de apresentação fora de Londrina", antecipa Fabiani.

Um conflito de decisões é o enredo da peça teatral com direção de Silvio Ribeiro. Baseada em fatos reais, a história de amor pé-vermelho se passa na Londrina da década de 1940, protagonizada pelo ator Herbert Blase que interpreta o médico pioneiro Gabriel Carneiro Martins, que se vê diante de um dilema: escolher entre o destino de sua amada ou seu dever profissional perante à coletividade.

"Dr. Gabriel - Uma Alma Partida": peça de Marco Antônio Fabiano lotou em todas as sessões e deve voltar ao palco em março
"Dr. Gabriel - Uma Alma Partida": peça de Marco Antônio Fabiano lotou em todas as sessões e deve voltar ao palco em março | Foto: João Vidotti/ Divulgação

ÁS DE PAUS CONQUISTA 'GRALHA AZUL'

A 40ª edição do Troféu Gralha Azul realizada neste mês no Teatro Guaíra marcou a retomada da premiação após um intervalo de três anos devido à pandemia e festejou o teatro paranaense com destaque para Londrina.

Os vencedores das principais categorias foram a peça "Fagulha", na categoria Espetáculo e "Encontro de Gigantes", em Espetáculo para Criança, ambos do grupo Ás de Paus, de Londrina. "Encontro de Gigantes" e "Fagulha" foram as peças mais premiadas com os prêmios de direção (Encontro), Atriz para Camila Feoli (Encontro), Sonoplastia (Fagulha), Figurino (Fagulha), Dramaturgia (Encontro e Fagulha).

Fagulha conta a história de dois viajantes que encontram um pássaro que os leva até o “vão do mundo”, local em que irão testemunhar a anunciação de uma tempestade devastadora. Ali, os três irão começar a dividir a terra, anseios, medos e questionamentos para conseguir sustentar o céu e tecer o amanhã. Assim, eles são convocados a deixar pelo caminho que passam tudo aquilo que precisa morrer.

Duas figuras excêntricas e divertidas aguardam com curiosidade a realização do tão esperado “Encontro de Gigantes” na companhia do público. Os gigantes, aqueles que conhecemos de histórias, realmente existem? E, afinal, como podemos saber que uma coisa realmente existe? Durante o história, como num passe de mágica, o público descobre que todos podem ser gigantes. O Núcleo Ás de Paus surgiu em 2008. Camila Feoli, Rogério Francisco Costa e Thunay Tartari, são os integrantes.

"Fagulha", do Núcleo Ás de Paus: grupo de Londrina foi premiado com o Troféu Gralha Azul na categoria Espetáculo
"Fagulha", do Núcleo Ás de Paus: grupo de Londrina foi premiado com o Troféu Gralha Azul na categoria Espetáculo | Foto: Valéria Felix/ Divulgação

LÍRICA PRETA: VOZES VISÍVEIS

O espetáculo “Lírica Preta” levou para o palco do Ouro Verde um retrato poético das lutas pela liberdade, respeito, preservação da cultura afro-brasileira e igualdade social. Por meio de um processo de estudo e pesquisa, o espetáculo resgata a narrativa de cinco cantoras líricas pretas brasileiras: Joaquina Lapinha, Camila Maria da Conceição, Zaíra de Oliveira, Maura Moreira e Maria d´Apparecida.

Com dramaturgia e direção cênica de Carin Louro, direção musical e preparação do coro de Edineia de Oliveira e pesquisa histórica de Edna d’Oliveira. "Nos três dias de apresentação no Cine Teatro Ouro Verde, o coro de vozes pretas compartilhou o palco com as solistas com grandes nomes: Edna D'Oliveira e Edineia de Oliveira, com os músicos André Coudeiro e Débora Almeida, com a pianista Janne Gonçalves, com o bailarino Peter Levi, com a narradora interpretada por Fiama Heloisa, e com músicos da OSUEL, sob regência do maestro Alessandro Sangiorgi, destaca Carin Louro.

"Lírica Preta" traz as trajetórias de cantoras líricas negras brasileiras, que são esquecidas e invisíveis na história brasileira. "Mas também histórias que são atravessadas pelo contexto da viagem forçada de pessoas escravizadas e da violência da escravidão. Nesse sentido, todos esses sentimentos estavam com os artistas em cada cena, em cada música. Representatividade, ancestralidade, reparação histórica, celebração, são algumas das palavras compartilhadas pela equipe após os três dias de apresentação", considera a diretora musical.

"Lírica Preta": com músicos da Osuel, solistas e um coro fantástico, montagem resgatou a trajetória de cantoras negras
"Lírica Preta": com músicos da Osuel, solistas e um coro fantástico, montagem resgatou a trajetória de cantoras negras | Foto: Rei Santos/ Divulgação

"O LAGO DOS CISNES": SESSÃO EXTRA

Os 30 anos da Escola Municipal de Dança de Londrina foram marcados pela apresentação do "O Lago dos Cisnes" e todos as sessões do Teatro Ouro Verde ficaram lotadas. Um espetáculo considerado muito importante na trajetória da Funcart pela simbologia da obra e por marcar o aniversário de três décadas de trabalho ininterrupto da Escola Municipal de Dança.

Além das apresentação no Ouro Verde, uma oportunidade extra foi dada ao público: foi ao ar livre, no Lago Igapó, e teve o pôr-do-sol como cenário. Com direção geral de Marciano Boletti e coordenação de Luciana Lupi, que também é Coordenadora da Escola Municipal de Dança de Londrina, reuniram-se alunos do 2º ao 8º ano de formação em dança, um elenco que emociona tanto pela presença de meninos e meninas quanto pela participação de bailarinos profissionais.

Catarina Guizilini e Maria Eduarda Santos atuaram em papéis de destaque e foram diplomadas nessa apresentação. Para Maria Eduarda, bailarina negra, uma celebração extra: usou meia-calça e sapatilha na tonalidade de sua pele. "Elas tiveram suas vontades respeitadas. É uma atitude importante e que revela a mudança dos tempos, do mercado e do balé clássico, que hoje acolhe todos os corpos, deixando mostrar a beleza e a potência das diferenças", afirma Luciana Lupi. "É a primeira vez, sim, que um espetáculo da EMD usa este tipo de traje e é a primeira vez que um grupo de bailarinos manifestam o desejo", acrescenta.

A montagem prendeu a atenção do público nas duas horas de apresentação divididas em quatro atos. A sincronia e as coreografias geométricas que alternam 300 bailarinos no palco são um ponto alto do espetáculo que põe em destaque a beleza de um balé de repertório.

"CARNE VIVA": BILHETERIA ESGOTADA

A “Carne Viva”, peça teatral de Renato Forin Jr, foi o primeiro ingresso a se esgotar no FILO (Festival Internacional de Londrina) neste ano: em menos de uma hora após a abertura das bilheterias.

A montagem londrinense apresentada na DAC, da Casa de Cultura da UEL, e reescrita pela primeira vez no Brasil, é uma obra do autor austro-húngaro Ödön von Horváth (1901-1938). A peça conta a história de uma mulher chamada Elisabeth (interpretada por Danieli Pereira), desempregada e faminta, no ápice do desespero, que toma uma decisão: vai até o Instituto de Anatomia da cidade e oferece à venda o seu próprio corpo para estudos, depois que morrer, para continuar vivendo.

A montagem, aponta Forin Jr, impressionou o público pela dinamicidade das cenas. "Os presentes se desdobravam em um cenário repleto de ossos e com uma mesa móvel que se transformava em diferentes ambientes", conta.

"Carne Viva": apresentado no FILO 2023, espetáculo teve a primeira bilheteria esgotada no evento
"Carne Viva": apresentado no FILO 2023, espetáculo teve a primeira bilheteria esgotada no evento | Foto: Fábio Alcover/ Divulgação