Um concerto que pode ser considerado uma raridade será apresentado em Londrina neste sábado (25). No palco do Cine Teatro Ouro Verde, o Neuma Ensemble Universitário de Música Antiga - em atividade há quase 30 anos - encontra-se com o pesquisador e intérprete de música medieval catalão Antoni Rossell que, durante a semana, realizou o colóquio “Poesia Oral no Medievo”, a convite do Programa de Pós Graduação em Letras da UEL - Universidade Estadual em Londrina.

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No concerto, como convidado especial, Rossell traz ao público londrinense toda sua bagagem de poesia e música trovadoresca. Ele é professor titular de Filologia Românica na Universidade Autônoma de Barcelona (UAB) e diretor do Arxiu Occità (Instituto de Estudos Medievais, UAB). Também é membro associado do Centre Interuniversitaire d'Histoire et d'Archéologie Médiévales (CIHAM) da École Normale Supérieure de Lyon e atualmente colabora com a Universidade NOVA de Lisboa na música da tradição oral hispânica. Ele é autor de vários livros, artigos, além de gravações, principalmente dedicados à poesia, ao romance e à música da Idade Média. É intérprete de música medieval e diretor do C. Courtly Music Consort.

Rossell já esteve no Brasil outras vezes, tendo se apresentado no Teatro de Tuca, em São Paulo, em 2011, com o poeta Augusto de Campos e a cantora e compositora Adriana Calcanhoto.

No repertório do concerto deste sábado, "Porque Trobar", destacam-se as Cantigas de Santa Maria, consideradas "o maior 'corpus' da lírica de tradição trovadoresca existente quanto ao registro melódico das poesias em galego-português", segundo o programa de apresentação.

Em entrevista concedida à FOLHA, com exclusividade, Rossell fala da poesia trovadoresca, suas funções, e do contato com o público brasileiro. A entrevista foi traduzida por Ronald Costa, tenor do grupo Neuma.

Em que período aparece a poesia trovadoresca e qual era a sua função?

A poesia trovadoresca surge no século XII, contudo, sabemos que houve um tempo em que essa poesia era exclusivamente oral e, portanto, os documentos surgem quando começaram a colocá-los por escrito, de modo que poderíamos falar de meados do século XI. A função da poesia é propedêutica, ou seja, é ética, demonstra, sobretudo, o amor cortês, como se comportar com uma dama e, portanto, seu público é tanto masculino como feminino. Além disso, tem também uma função política já que se utiliza dessas canções para fazer propaganda de batalhas, de manobras políticas, ou a favor ou contra a igreja, ou a favor ou contra a heresia dos cátaros; e a terceira função é poética, pois há muitas poesias que falam de como se deve fazer uma poesia, se é preciso entendê-la ou se ela tem que ser obscura: ou seja, temos essas três funções.

Por que a poesia trovadoresca apresenta uma versão romântica e uma satírica?

A versão romântica é, na verdade, uma releitura do século XIX. É bem verdade que a poesia trovadoresca de amor tem alguns códigos que ainda existem em nossa tradição ocidental, mas esse epíteto “romântico” foi o século XIX que lhe conferiu. É satírica, claro que sim, sobretudo porque, com a poesia se canta os problemas sociais, e uma maneira de poder abordá-los é no sentido do humor – talvez a poesia mais satírica é a que se expressa em galego-português nas cantigas de escárnio e maldizer.

Imagem ilustrativa da imagem Concerto traz música e poesia trovadorescas a Londrina
| Foto: Menestrel medieval/ iStock

De que forma o trovadorismo se relaciona com a arte contemporânea?

Não apenas com a arte, mas também com a poesia e com a literatura. A cantora Rosalía (Rosalía Vila Tobella) – inspira-se na tradição trovadoresca para o seu trabalho "O malquerer"; Augusto de Campos – um dos poetas concretos – inspira-se em Bernart de Ventadorn para algumas de suas poesias e em outros trovadores; Adriana Calcanhoto canta canções de trovadores de Arnaut Daniel; e o poeta Ezra Pound, por exemplo, tem em seus cantos capítulos dedicados aos trovadores. O trovadorismo não morreu e, por isso, não esqueçamos da filmografia que se inspira em trovadores, em literatura medieval; temos o mito do Tristão e muitas outras referências, ou seja, o trovadorismo continua vigente, seja pela expressão do amor, seja por seus personagens como por exemplo Guillem de Cabestany que é o protagonista da lenda do coração comido, além de muitas outras.

Qual a receptividade do público em relação a este gênero hoje?

Temos que falar de diferentes públicos. Evidentemente, a recepção dessa poesia está em função da recepção de um público culto, sobretudo, ou seja, não é uma literatura popular, mas tampouco era um público popular na Idade Média, essa é uma poesia aristocrática; então podemos dizer que a recepção de hoje em dia é de alta cultura, tanto no aspecto musical, quanto no aspecto literário e poético.

Você já esteve outras vezes no Brasil. Como o público brasileiro recebe suas palestras e apresentações?

Estive várias vezes no Brasil e continuam me chamando, então suponho que gostaram. Devo dizer que eu sempre reivindico que essa é uma literatura cantada, e que é preciso interpretar musicalmente para entendê-la. Eu creio que esta interdisciplinaridade, literatura-música, ajuda que eu seja mais bem recebido, mas isso quem deveria dizer é o público. Sempre tive um público muito receptivo, mas é também verdade que às vezes fui acompanhado por brasileiros que me reforçaram como, por exemplo, no concerto de 2011 que fizemos em São Paulo, no Teatro Tuca, quando estávamos Augusto de Campos, Adriana Calcanhoto e eu.

O que você destacaria na sua experiência em Londrina durante o colóquio para o qual foi convidado?

Eu destaco o alto nível, tanto dos alunos, como, sobretudo, do corpo docente. O professor Frederico Fernandes, (do curso de Pós Gradução em Letras do CLCH - Centro de Letras e Ciências Humanas da UEL), por exemplo, com sua modernidade. Realmente, eu o conheci na Espanha e penso que é um intelectual de primeira linha; e seus alunos, como por exemplo, Ronald Costa, que desenvolveu um trabalho interdisciplinar, literatura-música, muito sólido e interessante para todos aqueles que se dedicam à oralidade.

O romantismo das "canções de amigo" cabe no mundo contemporâneo, repleto de 'amores líquidos'?

Sim, cabe porque temos contínuas gravações dessas cantigas de amigo, que criaram homens e que colocam na boca da mulher a espera do amado e as perguntas à mãe, à irmã ou à amiga indagando se será amada. Realmente, eu diria que uma das canções mais famosas de toda a Idade Média, hoje é "Por ondas do mar de Vigo, se vistes meu amigo?" de Martín Codax. E, devo destacar, uma gravação que foi feita há um ano, creio, por Eva Amaral, uma cantora espanhola que fez uma belíssima versão de "Por ondas do mar de Vigo."

SERVIÇO:

Concerto: "Porque Trobar" - Cantigas de Santa Maria, com Antoni Rossell e o Neuma Ensemble Universitário de Música Antiga

Local: Cine Teatro Ouro Verde (rua Maranhão, 85, centro de Londrina)

Quando: sábado (25), às 20h

Ingressos: R$ 20,00 reais (inteira) e R$ 10,00 reais (meia entrada). Vendas na bilheteria do Teatro Ouro Verde no sábado (25) das 15h até momentos antes do início do concerto