As vidas – biográfica e ficcional – post mortem de Marilyn Monroe são muitas, mas poucas são particularmente interessantes. E, provavelmente, nos dizem mais sobre as mídias que escolhem dedicar tempo e, especialmente, dinheiro a pesquisá-las do que qualquer coisa nova sobre a própria Monroe.

Se você intitula um filme de “O Mistério de Marilyn Monroe: As Fitas Não Ouvidas”, no mínimo seu trabalho é fornecer pelo menos algo que valha a pena ouvir. Este documentário, estreado há uma semana e dirigido por Emma Cooper como mais recente título do catálogo de histórias de crimes reais (ou supostamente crimes...) da Netflix, começa enunciando algum tipo de conspiração em torno da morte de MM em 1962 por overdose. Mas, principalmente, o filme não vai além de uma repetição banal de fatos já estabelecidos e rumores bem divulgados sobre a atormentada vida de Monroe. Cuja imagem é uma vez mais vampirizada.

As fitas em questão são as entrevistas que o prolífico jornalista irlandês Anthony Summers gravou enquanto pesquisava sobre a atriz. Ele publicou suas conclusões no livro de 1985, “Goddess: The Secret Lives of Marilyn Monroe”. Agora, a versão cinematográfica acrescenta a vantagem (?) curiosa e ostensiva de se ouvir as vozes reais dos grandes John Huston, Jane Russell e Billy Wilder, ícones do cinema e amigos de cabeceira de MM ressuscitados na pele de atores dublando suas lembranças – que, pela enésima vez, aparecem como notas de rodapé sem importância.

O filme não vai além de uma repetição banal de fatos já estabelecidos e rumores bem divulgados sobre a atormentada vida de Monroe
O filme não vai além de uma repetição banal de fatos já estabelecidos e rumores bem divulgados sobre a atormentada vida de Monroe | Foto: Divulgação Netflix

Summers aparentemente obteve informações mais interessantes da família de Ralph Greenson, já falecido, e que foi o psiquiatra de Monroe; e de Fred Otash, detetive particular que nas fitas revela que o sindicalista Jimmy Hoffa queria que ele desenterrasse as travessuras sexuais da toda-poderosa e fraternal dupla John e Robert F. Kennedy (principalmente este, seu inimigo mortal), travessuras que, segundo consta, incluíam dividir favores de alcova de Marilyn. Ao longo do filme, insinua-se que Monroe esteve envolvida simultaneamente com os dois irmãos Kennedy. Típico jornalismo de tabloide sensacionalista, aqui sob “virtuosa” camuflagem.

Medos do comunismo e conversas soltas sobre armas nucleares nos idos de 1960-61, podem, quem sabe, ter algo a ver com alguma coisa. Mas as insinuações, ou os maiores eventos ligados à paranoia da Guerra Fria, dificilmente equivalem a um caso concreto ou mesmo a uma teoria conspiratória coerente.

No geral, em 100 minutos de filme, o elemento humano da vida de Monroe está perdido em um mar de conjecturas que oscila entre o cruel e o desumano. Quem ela era como pessoa, e por que ela, portadora de extrema fragilidade congênita, entrou nesses relacionamentos – isso praticamente desaparece por trás de uma rede frustrante de maquinações. Finalmente, Summers (80 anos em dezembro), que aparece em cena com incomoda frequência, mas quem obviamente não é o assunto mais atraente ou estimulante, apresenta suas ideias sobre as horas finais de Monroe e possíveis inconsistências na linha do tempo. As alegações produzem no espectador mais um “hummm” letárgico do que uma bomba com efeito transformador.

É tudo um pouco ridículo e, cá entre nós, o filme parece rapidamente remendado em um esforço de sinergia corporativa, tipo “me engana que eu gosto”. Isto para que não se esqueçam que “Blonde” (a morena Ana de Armas no papel título...), de Andrew Dominik, está chegando ao streamer ainda este ano, muito provavelmente com estreia mundial em 4 de agosto, data da morte de MM. E que outra razão Netflix teria para desenterrar este “Goddess” e o próprio Summers para refundir informações que estão disponíveis desde a era Reagan?

Leia mais: https://www.folhadelondrina.com.br/folha-2/a-batalha-entre-a-mao-estendida-e-a-crueldade-3195131e.html

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