"Penso que civilização é embate de forças antagônicas. No romance imaginei que, simbolicamente, houve o pensamento de que o progresso é inclusivo, serve às pessoas em primeiro lugar", explicar Marco Fabiani
"Penso que civilização é embate de forças antagônicas. No romance imaginei que, simbolicamente, houve o pensamento de que o progresso é inclusivo, serve às pessoas em primeiro lugar", explicar Marco Fabiani | Foto: Sandro Branco/ Divulgação

Em seu novo romance, “O Lugar das Cinzas”, o escritor londrinense Marco Fabiani coloca em destaque as duas forças civilizatórias que construíram o Norte do Paraná. A luta de forças entre a generosidade e a crueldade.

Publicado pela editora Atrito Arte, a obra será lançada no próximo sábado, dia 14 de maio, 17 horas, na programação do Londrix – Festival Literário de Londrina.

O romance narra o acerto de contas entre dois pioneiros da região que tiveram forte atuação na construção de Londrina, o médico Héracles e o major Euclides. No final de suas vidas, se reencontram para passar a limpo suas visões de mundo antagônicas e inconciliáveis.

Membro da Academia Letras, Ciência e Artes de Londrina, Marco Fabiani é autor de “Trilha de Fogo” (2004), “Contos de Pau e Pedra” (2005), “Histórias de um Norte Tão Velho” (2009), “A Memória é um Pássaro sem Luz” (2013) e “Um Bourbon para Faulkner” (2018). A seguir, ele fala sobre seu novo romance.

Como surgiu o enredo de “O Lugar das Cinzas”?

Da observação de como o Norte do Paraná vê a si mesmo. A representação mental de uma espécie de Terra Prometida, sob o signo da prosperidade, das oportunidades, do enriquecimento. E, de certa maneira, isso é verdade, um lugar que em poucas décadas saiu de uma clareira na mata a uma pequena metrópole. Mas isso já foi mais que repisado. A mim interessou aquilo que, digamos, foi a edificação emocional, a vidinha miúda. Como se fosse possível espiar dentro das casas e ver o cotidiano, ou dentro das pessoas.

No romance sobre realiza uma reflexão sobre a colonização do Norte do Paraná colocando em oposição duas forças civilizatórias. Que forças são essas?

Penso que civilização é embate de forças antagônicas. No romance imaginei que, simbolicamente, houve o pensamento de que o progresso é inclusivo, serve às pessoas em primeiro lugar. Mais que edificações, progresso significa elevação espiritual da condição humana. No outro lado, o mundo organizado, excludente, controlador, imposto pela espada. São pensamentos sempre presentes. Atenas e Esparta vivem em nós. As crônicas desse Norte estão cheias de histórias de fortunas construídas em tempo recorde, gestos generosos e de crueldade policial.

Os personagens principais de “O Lugar das Cinzas”, o médico Héracles e o major Euclides, são criações puramente ficcionais ou possuem alguma inspiração em personagens históricos de Londrina?

Sempre que estruturo um personagem ele tem pedaços de alguém que vi, ou convivi, ou ouvi falar. Mas a parte maior é ficcional. O médico Héracles, foi construído a partir da vida de médicos que no início do século 20, inspirados nos avanços da ciência, embrenhavam-se nos lugares mais inóspitos. Aqui, em Londrina, tem relatos de muitos deles que viveram verdadeiras aventuras no exercício da profissão. E havia nisso generosidade, senso de dever e claro, ambição. Muitos se tornaram figuras importantes na vida da cidade. Quanto ao major Euclides é até fácil perceber que em todas as cidades sempre teve um policial valentão, cruel, que em nome da lei e da ordem agride a mesma lei e a mesma ordem.

Euclides e Héracles são personagens que reafirmam suas convicções até o final da vida. Você considera que convicções podem fazer do mundo um lugar melhor?

A verdade surge de fricções, muitas vezes doloridas, seja na ciência, seja na vida. Mas as convicções não precisam necessariamente levar à destruição do oponente, embora seja o impulso mais comum. Li, certa vez, do grande escritor israelense Amós Oz, que quando duas razões fortes e equivalentes se confrontam, dá-se a tragédia. E uma tragédia pode terminar à moda de Shakespeare ou de Tchekhov. À moda de Shakespeare, a justiça prevalece indubitável. No entanto, ela sobrevoa um campo repleto de cadáveres. À moda de Tchekhov, os dois lados terminam tristes e insatisfeitos. Mas vivos! Acho que novos caminhos são sempre possíveis e não é um otimismo ingênuo, mas a possibilidade do não pensado, daquilo que pode vir. Vou me socorrer da literatura, mais uma vez. Cortázar dizia que os melhores contos são como janelas fechadas. Eles é que nos acendem a imaginação para além do que vemos. Como na vida!

Você estabelece conexões entre as duas visões antagônicas presentes em “O Lugar das Cinzas” com o Brasil atual?

Sim. Está bem evidente. Hoje, no Brasil, você tem um retorno potente das ideias autoritárias. Situações que nós imaginávamos superadas estão aí, com novos atores e novos terrores. Mas elas sempre estiveram presentes, não deixaram de existir e nunca deixarão. Essa luta entre a mão estendida e a crueldade se mantém em todos os tempos. Os dois personagens do romance sintetizam esse antagonismo. Eles visitam esse lugar de cinzas e o remexem para entender e reafirmar suas convicções num atrito eterno. Um retorno ao passado que busca manter as memórias e refazer crenças. E quem sabe, ter um sentido reparador e abrir novos caminhos.

Serviço:

Imagem ilustrativa da imagem A batalha entre a mão estendida e a crueldade
| Foto: Reprodução

“O Lugar das Cinzas”

Autor – Marco Fabiani

Editora – Atrito Arte

Páginas – 140

Quanto – R$ 40

Onde Encontrar – Pedidos pelo e-mail [email protected]

Lançamento – Dia 14 de maio, sábado, 17 horas, no Museu Histórico de Londrina (Rua Benjamin Constant, 900 – Centro)

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