O “modelo híbrido” de ensino imposto pela pandemia tem chamado a atenção de estudiosos que tentam avaliar as consequências desse novo jeito de aprender. A pandemia catapultou professores, gestores e estudantes e famílias ao ensino remoto, a primeira solução encontrada para o enfrentamento da crise provocada pelas escolas fechadas mesmo sem uma avaliação dos riscos e consequências do novo modelo. Um cenário confuso onde expressões como “ensino híbrido”, “educação híbrida” e “aprendizagem híbrida” invadiram o cotidiano escolar.

Um relatório, realizado pelos pesquisadores do TLTL - Transformative Learning Technologies Lab, da Universidade de Columbia (Estados Unidos), em parceria com a Fundação Telefônica Vivo, a Dados para um Debate Democrático na Educação (D3e) e o

Centro Lemann traz reflexões e tenta colaborar com a discussão sobre o tema e pensar “quando” e “como” fazer uso da abordagem híbrida".

A ideia ainda é gerar subsídios para a formulação de políticas públicas. De acordo com o estudo “Aprendizagem Híbrida? Orientações para regulamentação e adoção com qualidade, equidade e inclusão”, a adoção do modelo híbrido de aprendizagem deve ser pautada pela promoção da equidade e pela inovação educacional real, algo além da apresentação de velhas fórmulas com novos termos.

Rodrigo Barbosa e Silva, pesquisador do TLTL: "“Faltavam computadores e foi um erro acreditar que celulares poderiam estar habilitados a serem um canal de ensino e aprendizagem adequado"
Rodrigo Barbosa e Silva, pesquisador do TLTL: "“Faltavam computadores e foi um erro acreditar que celulares poderiam estar habilitados a serem um canal de ensino e aprendizagem adequado" | Foto: Divulgação

Para Rodrigo Barbosa e Silva, pesquisador do TLTL, empreendedor, cientista da computação no desenvolvimento de aplicações com blockchain e inteligência artificial, a pandemia escancarou a falta de uma macroestrutura que pudesse responder às

necessidades da educação diante da crise. “Faltavam computadores e foi um erro acreditar que celulares poderiam estar habilitados a serem um canal de ensino e aprendizagem adequado. Além das carências técnicas, ainda ficou evidente que as

casas de milhões de crianças e jovens não tinham espaço adequado para concentração e estudo. Professoras e professores também não tinham acesso a equipamentos adequados para atividades online: a conexão compartilhada da internet era lenta, o

Whatsapp foi invadido por mensagens, e a rotina das famílias transformadas”, comenta.

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Na opinião do pesquisador, o que pesou mesmo foi a falta de infraestrutura básica, principalmente tecnológica, aliada à falta de estratégias pensadas para momentos fora de sala de aula. Para Silva, é preciso compreender de que educação híbrida estamos falando. “Sem uma definição clara sobre o termo, fica impossível avançar com regulamentação e política pública de qualidade. O principal e que merece mais atenção da sociedade é a criação de uma estrutura com condições materiais e tecnológicas para que educadores e estudantes tenham condições de fazer educação no País”, diz.

UM CONCEITO EM CONSTRUÇÃO

De acordo com o Relatório, o próprio conceito ainda está em construção ao redor do mundo, enquanto ainda são discutidas estratégias de curto, médio e longo prazo. Para Mariana Lederman Edelstein, consultora educacional no TLTL, pedagoga e psicopedagoga pelo Instituto Singularidades, embora possam existir atividades não conectadas, a sociedade atual tende à digitalização de praticamente todos os aspectos da vida individual e coletiva. “Isso significa que escolas, lares, docentes sem conexão a internet e computadores terão muitos obstáculos para recuperação de etapas queimadas, ou mesmo para avançar nos estudos a partir dos sinais de normalização das atividades escolares. As políticas públicas, neste caso, não devem determinar o que cada escola vai fazer em relação às atividades híbridas. Pelas carências estruturais marcantes da sociedade brasileira, a política pública deve se preocupar antes com garantias de equidade no acesso a recursos estruturantes da educação híbrida, de experiências educacionais autorais para professores e de prover espaço em currículos e aulas para que estudantes sejam efetivamente criadores de conteúdo, de tecnologias e de recursos no processo de aprendizagem”, diz.

Mariana Lederman Edelstein, consultora educacional do TLTL: "Se a necessidade de prover estrutura, aceitação de novas formas de trabalho e suporte aos trabalhadores aconteceu nas empresas por que com a escola seria diferente?"
Mariana Lederman Edelstein, consultora educacional do TLTL: "Se a necessidade de prover estrutura, aceitação de novas formas de trabalho e suporte aos trabalhadores aconteceu nas empresas por que com a escola seria diferente?" | Foto: Divulgação

Traçando um paralelo com o mundo do trabalho transformado pela pandemia, questiona: “Se a necessidade de prover estrutura, aceitação de novas formas de trabalho e suporte aos trabalhadores aconteceu nas empresas por que com a escola seria diferente? As políticas públicas precisam deixar de lado a prescrição dos métodos de educação chamada de híbrida e partirem para dar suporte necessário para docentes e estudantes, seja de maneira material, quanto de modo a reconhecer atividades que não seguem a forma tradicional de transmissão de conteúdo”, afirma.

Os autores alertam: não podemos esperar que a tecnologia democratize o ensino e além disso, é preciso compreender que ter computador com conectividade garante um ensino inovador. O relatório aponta para a necessidade de valorizar e formar os

professores para que eles sejam capazes de projetar espaços e atividades que tragam inovação para suas turmas. “Enquanto o Brasil não tiver uma estratégia nacional de tecnologia educacional - o que inclui protocolos para o uso de ensino híbrido em

situações de emergência - não teremos um caminho claro para reduzir a desigualdade nesta área. Sem uma estratégia nacional, continuaremos dependentes de grandes conglomerados internacionais de tecnologia, que podem ser excelentes com dados ou

software, mas muitas vezes pouco entendem de educação”, diz Fabio Campos, doutorando em Ciências da Aprendizagem na Universidade de Nova York (EUA) e pesquisador residente no TLTL; cofundador do Invest, programa de educação popular

no Rio de Janeiro e diretor da Associação de Ciências da Aprendizagem/Brasil.

PIORES RESULTADOS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Foi na educação básica que a aprendizagem híbrida teve seus piores resultados e não só no Brasil, continua Campos. “A pandemia mostrou o quanto a criança e o jovem precisam do contato direto com outro para que a escola aconteça. A escola não pode ser apenas o lugar de transferência de conteúdo, ela é o lugar do encontro com o outro, o espaço de construção coletiva do conhecimento. Quando pensamos em educação básica, não podemos esperar que nessa idade, os estudantes tenham a

capacidade de autocontrole, motivação e atenção para participar de uma aula remota como se estivesse dentro de uma sala de aula. As experiências em educação básica se mostraram desastrosas em comunidades pobres”, explica.

“Quando a aprendizagem híbrida é igualada meramente a ensino à distância, arrisca-se cair na tentação de diminuir o número de docentes e aumentar o número de alunos atendidos. Embora esse cenário seja praticado principalmente na pós-graduação lato sensu, decerto não funciona para a educação básica. O diálogo multidirecional entre pares, a criatividade e a expressão, e o exercício da criticidade são fatores fundamentais para criar bases sólidas e duradouras que vão além da simples memorização de informação”, analisa.

Fábio Campos, pesquisador residente no TLTL: "Quando a aprendizagem híbrida é igualada a ensino à distância, arrisca-se a diminuir o número de docentes e aumentar o número de alunos atendidos"
Fábio Campos, pesquisador residente no TLTL: "Quando a aprendizagem híbrida é igualada a ensino à distância, arrisca-se a diminuir o número de docentes e aumentar o número de alunos atendidos" | Foto: Divulgação

ENSINO HÍBRIDO PRECISA DE REGULAMENTAÇÃO NO BRASIL

O estudo determina a importância de uma regulamentação da aprendizagem híbrida no Brasil. Pela dimensão geográfica e até mesmo pela harmonia federativa, a regulação deve servir para estimular as redes locais a compartilharem e adotarem suas

práticas e experiências. Instâncias coletivas como o Fórum Nacional de Educação, Conselho Nacional de Secretários de Educação e a União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação devem ganhar ainda mais protagonismo nas discussões.

O Conselho Nacional de Educação (CNE) tem discutido o tema desde a pandemia. Além da consulta pública pela internet e discussões temáticas, o relatório aponta a necessidade de fóruns locais para que as comunidades, mesmo as mais remotas,

tenham voz.

O texto ainda aponta recomendações para a implementação da aprendizagem híbrida de forma sustentável. Além de condições de uso e infraestrutura, o documento destaca o aprimoramento da relação contratual com fornecedores de tecnologia, que

ela seja sujeita a controle e auditoria pública. “A adoção de plataformas ‘sem custo’ nas escolas, na verdade, é remunerada pela captura de imensas bases de usuários e pelo uso não explicado de dados pessoais durante atividades educacionais”, alertam.

Alunos com deficiência também não podem ficar de fora da digitalização da aprendizagem. Ao promover um ambiente de aprendizagem remoto, é necessário garantir o acesso e a inclusão de todos os estudantes, com uma atuação ativa na

remoção de barreiras que impeçam o aprendizado por parte dos alunos com deficiência.

O relatório ainda recomenda a formação continuada dos educadores, a produção de estudos e monitoramento e a integração com as políticas nacionais, programas, leis e regulamentações que dizem respeito à aprendizagem híbrida. Para os pesquisadores, a regulação sobre aprendizagem híbrida também precisa dialogar com a legislação existente. Nesse sentido, os dispositivos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), do Marco Civil da Internet e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) terão aplicação para segurança, bem-estar e garantia do melhor interesse de crianças e adolescentes em ambientes mediados por tecnologias digitais, no curto, no médio e no longo prazo.

Saiba mais acessando: Relatório de Aprendizagem Híbrida da Fundação Telefônica Vivo

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