São exatamente 21 horas quando ele surge no palco do Moringão sob gritos - femininos - de quem o esperava já há algum tempo (senhoras relataram à FOLHA terem chegado ao ginásio às 7h da manhã). De terno de linho azul claro e camisa branca levemente estampada, faz uma graça com o maestro e arranjador Eduardo Lajes, cumprimenta a banda que o acompanha há mais de 50 anos e então saúda o público.

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Fãs estão na fila desde as 7 da manhã para ver Roberto Carlos

Pega o tradicional microfone com pedestal e dirige aos súditos de Londrina e região as primeiras palavras: "Quero dizer uma coisa pra vocês, simples, mas importante". É a deixa para "Emoções", o primeiro clássico da noite.

O ritual é conhecido de cor e salteado pelos fãs de Roberto Carlos. A oposição jura que seus shows são previsíveis porque o astro não se renova e pouco arrisca. Pode ser. Mas não há como negar o vigor de um senhor de 82 anos que a despeito da passagem do tempo segue viajando pelo país arrastando e emocionando milhares de seguidores (presenciais) aonde quer que vá. Desnecessário dizer que o Moringão, recém-inaugurado após quatro anos de reformas, estava lotado na última sexta-feira (2). Em quase duas horas de show, o Rei cantou 16 músicas - apenas duas sentado -, interagiu com o público e não perdeu a majestade nem quando deu uma leve escorregada em algumas letras aqui e ali.

CARTÃO DE VISITAS

"Emoções" é o cartão de visitas de Roberto e foi feita para isso mesmo. Em parceria com o eterno Erasmo Carlos, a canção lançada no álbum de 1981 é uma ode à relação artista, palco e plateia. A forte presença dos metais lhe confere um ar de "standard", a "New York, New York" brasileira.

Vivido "esse momento lindo", o astro faz sua primeira interação. Em tom humorado, avisa ao público que a tradicional entrega das rosas será feita após a última música, "Jesus Cristo", "para evitar que eu fale alguma besteira", numa clara referência ao episódio que viralizou nas redes sociais em que ele mandou um fã mal educado calar a boca durante a execução de "Como é grande o meu amor por você" em apresentação no Rio de Janeiro (segundo a assessoria do cantor, houve aglomero antes do tempo reservado à entrega das rosas, o que teria irritado o Rei).

Já com a plateia na mão, RC diz ser um prazer voltar a Londrina e pergunta se a última vez que esteve por aqui (2019) também foi no Moringão: "É que eu venho tantas vezes aqui", brinca.

Conduz então os fiéis a uma viagem no tempo, mais precisamente para a década de 70, certamente sua fase mais profícua. E destila um clássico atrás do outro. Começa com "Como vai você" (de Antônio Marcos e Mário Marcos), gravada em 1972. Na sequência, "Além do Horizonte", dele e Erasmo, do álbum de 75, que Roberto há algum tempo canta em uma versão "positivista", mudando os versos originais "se você não vem comigo/nada disso tem valor/de que vale o paraíso sem amor" para "porque você vem comigo/tudo isso tem valor/pois só vale o paraíso com amor".

"Ilegal, Imoral ou Engorda", do álbum de 1976, é um desabafo de um artista cobrado pela falta de posicionamento em questões políticas e sociais. "Essa música tem tudo o que eu sempre tive vontade de dizer", avisa.

Roberto Carlos imprimiu muito romantismo ao show em Londrina, sua marca principal que põe as fãs em delírio
Roberto Carlos imprimiu muito romantismo ao show em Londrina, sua marca principal que põe as fãs em delírio | Foto: Diego Prazeres

DETALHES E OUTRA VEZ

À meia-luz, senta-se para o momento mais romântico da noite. Já se sabe o que vem por aí: "Detalhes", a sua música preferida - e também a melhor em outra parceria com Erasmo, do espetacular álbum de 1971. Ainda no banquinho, pergunta quem nunca teve uma história com alguém que retratasse o que a próxima canção diz. E brinca: "mas não precisa levantar a mão porque não quero entregar ninguém aqui". É a deixa para "Outra vez", música de Isolda lançada em 1977 e certamente o maior clássico do repertório do Rei que não teve suas digitais nem a de Erasmo.

Antes de "Olha", de 1975, faz um flerte franzindo a testa como que procurando alguém na plateia: "sempre que canto essa música tenho vontade de escolher alguém e olhar fixamente para ela". Depois, faz o Moringão cantar junto com ele "Nossa Senhora", lançada em 1993 e que demorou dez anos para ficar pronta. Pela primeira vez, dá uma retirada estratégica do palco para que a banda toque temas da Jovem Guarda e "O Calhambeque" (versão de Erasmo para "Road Hog"), de 1964, que ele canta no retorno.

Na sequência vem "Lady Laura", de 1977, composta para a mãe, falecida em 2010. Outro momento de confissão antecede "Sua estupidez", do álbum de 1969, um dos primeiros discos pós-Jovem Guarda: "Por cavalheirismo, elegância - que para mim é fundamental - e ética, não vou dizer pra quem fiz essa canção", afirma, sobre a música visceral gravada também por Gal Costa e com quem o Rei fez um belo dueto nos anos 90.

EVIDÊNCIAS

O espetáculo já se encaminha para a reta final e Roberto vai de "Evidências", sucesso absoluto de Chitãozinho e Xororó (composição de José Augusto e Paulo César Valle), cuja versão, em ritmo mais lento, o cantor lançou no final de 2022. Último grande sucesso contemporâneo de sua leva, "Esse cara sou eu", de 2012, pôs a "homarada" pra cantar também. "Amigo", de 1977, hino definitivo sobre a amizade fraterna, é a homenagem esperada ao amigo de fé, irmão-camarada, falecido em novembro do ano passado (na deliciosa autobiografia "Minha fama de mau", Erasmo conta como reagiu ao ouvir a música pela primeira vez).

DISPUTA PELAS ROSAS

A inevitável "Como é grande o meu amor por você", que Roberto fez sozinho em 1966, é a dica para a mulherada se preparar para o "grand finale": a entrega das rosas logo depois de "Jesus Cristo", de 1970. E aí a aglomeração em frente ao palco beira à insanidade, com senhoras, mas não só elas, se espremendo por um olhar direto do Rei. E ele gosta disso. Quando arremessa uma flor mais distante faz com as mãos gesto de quem dá um tiro certeiro.

O show já terminou. Roberto Carlos se despede depois de dúzias de rosas distribuídas às fãs e deixa o palco. Para quem sai dali com a impressão de que nunca mais o verá ao vivo, vai um spoiler: sua equipe, liderada pelo empresário Leonardo Esteves, filho mais velho de Erasmo, prepara uma turnê por estádios de futebol nas principais cidades do país ano que vem. Surpresas de um Rei que lá atrás já dizia que daqui pra frente tudo vai ser diferente.