A Netflix confirmou em comunicado à imprensa, há algumas semanas, que continuaria gerenciando orçamentos tão grandes exclusivamente para grandes macroproduções, deixando de lado projetos menos ambiciosos e minimalistas. O que, pelo que se tem visto – e o que se está vendo por esses dias, em “O Agente Oculto”, a mega estreia do serviço de streaming – é que a decisão é um erro grave.

LEIA MAID:

Presley e o ilusionista: um filme que fica só na superfície

Apesar de todo o massivo marketing que se observa em cada esquina do planeta. A crescente perda de prestígio da logomarca da empresa e a perda de um status notável conquistado por pequenas grandes obras (“Roma”, “O Ataque dos Cães”, “Beasts of No Nation”, “A Balada de Buster Scruggs”, entre outros) foram agora coroadas por este lançamento do último fim de semana, “The Gray Agent”.

Dirigido pelos irmãos Joe e Anthony Russo, destaques no universo Marvel por “Vingadores: Guerra Infinita";” e “Endgame”, o filme teve orçamento de mais de 200 milhões de dólares, o que o torna o mais caro da Netflix. Chris Evans volta a trabalhar com os diretores, que também escalaram Ryan Gosling como um agente da CIA que depois de anos de serviços sujos prestados à companhia, deve ser eliminado. A cubana Ana de Armas completa o elenco principal – e Wagner Moura tem pequeno papel na

trama.

A dupla de diretores-estrelas conseguiu realizar um filme de mediocridade difícil de assimilar. Todos os ingredientes para uma boa proposta de sexta à noite estavam na mesa, mas algo não funcionou e restou uma sensação de piloto automático

continuamente desligando as particularidades que supostamente deveriam torná-lo um título pelo menos atraente. Nem a pirotecnia – já virou meme a tal sequência que destrói a reconstituição cenográfica do centro histórico de Praga, a um custo de 40 milhóes de dólares – e nem a incessante fuzilaria que corta as paisagens de locações diversas são capazes de camuflar as muitas deficiências desse blockbuster fracassado (que, infelizmente, pode virar franquia). Tudo o que aqui se propõe, tanto em termos formais de encenação como no roteiro brusco e episódico (cheio de deus-ex machinas) é uma tentativa risível e anedótica.

Estamos diante de um projeto mal focado desta dupla, os ambiciosos e desmesurados fraternos Russo, que constroem seus filmes com base em peças multimilionárias que parecem tão maniqueístas quanto desconectadas entre si – Chris Evans, de tão mau, parece competir com os piores malvados do clã Peaky Blinders. A direção é claudicante, e a encenação é plasmada em bonds, bournes e quem mais se queira achar como modelos de ação. O humor, o pouco que há, tenta ser satírico e transformar os personagens em figuras auto-paródicas, mas as atuações acabam esvaziando o lado thriller da narrativa. Apenas Gosling se salva.

A decepção de “O Agente Oculto” alerta para uma tendência muito comum na Netflix, pelo menos em suas grandes produções de entretenimento. Seu papel como empresa produtora de autores como Scorsese, Spike Lee, Cuarón, Campion, os Coen teve vários tipos de resultados, mas pelo menos o streaming alcançou produtos criativamente interessantes, arriscados e convincentes. Agora, casos como este frustrado “The Gray Agent”, voltado para o grande público e cheio de ação, estão se revelando

um cinema descartável que as pessoas não conseguem lembrar. Ou já nem querem lembrar.

...

Receba nossas notícias direto no seu celular! Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link.