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VISÃO DE JOGO 5m de leitura

Arquibancadas raivosas

ATUALIZAÇÃO
01 de maio de 2022

Julio Oliveira
AUTOR

Por um motivo ou por outro, toda semana há uma discussão polêmica que vem das arquibancadas dos estádios de futebol. Seja racismo, violência ou simples intolerância, temas diversos geram discussões e reflexões. 

 

Na semana passada, a caminho do Estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, para transmissão de Vasco x Ponte Preta, discutia com os comentaristas que trabalhariam comigo naquela partida a intolerância atual que reina nas arquibancadas de todo o país. Ana Thaís e o ex-jogador Pedrinho também andavam indignados com a sequência de fatos que tem dominado as manchetes nas últimas semanas vindas de fora do campo de jogo. E nós debatíamos: o que está acontecendo com as pessoas que vão a uma partida de futebol?

Algumas alusões antigas de que em um estádio tudo é permitido, que num estádio está a real face de uma sociedade ou que é tudo brincadeira, não dá mais. Essa distância entre humor e direito do outro diminuiu, acabou. É preciso respeito o tempo todo, e parece que boa parte das pessoas ainda continua utilizando uma praça esportiva para revelar seu lado pobre, através dos xingamentos e ofensas.

Na última terça-feira um “torcedor” do Boca Juniors, em plena Arena Corinthians, imitou um macaco num claro gesto de racismo. Foi preso, mas enquadrado no ato de injúria racial, o que lhe deu o direito de sair na manhã seguinte após pagar fiança e ainda debochar de todo o ocorrido publicando uma foto com um emoji de macaco em redes sociais. A impressão é que não há medo de autoridades, não há medo de julgamento algum, que não há respeito ao semelhante e nem à sociedade. E o argentino Leonardo Ponzo voltou para casa tranquilamente.  

Ainda na semana passada, em Ponta Grossa, o técnico do Grêmio, Roger Machado, foi agredido verbalmente ao ouvir da arquibancada palavras pejorativas sobre sua esposa e filhas. Um profissional, em local de trabalho, sendo atacado de forma baixa e covarde por de alguma forma ser adversário naquele momento. Roger é um dos poucos técnicos negros no país, e uma das vozes mais lúcidas no futebol ao falar de racismo. Não à toa vira alvo facilmente por estar sempre incomodando com suas opiniões que remetem a cobranças e mudanças.

Mas essa ira desproporcional não é só aqui. Com a Libertadores em andamento, a cada rodada exemplos de várias partes da América surgem mostrando que o espaço do torcedor é muitas vezes seu palco para o espetáculo da ofensa e agressão. No Chile, um garoto de 10 anos foi atingido no olho por objeto atirado pela torcida da Universidad Católica, que enfrentava o Flamengo. Mais um exemplo do ódio ao adversário, considerado sempre inimigo por torcer por outro time que não o dele.

É preciso evoluir, mas as mudanças acontecem por educação ou imposição. A mudança de cultura e crescimento de uma sociedade podem levar gerações, o que fazem as leis se tornarem um caminho mais rápido para se corrigir falhas, desde que sejam realmente fiscalizadas e aplicadas. Não é mais admissível que os estádios e arquibancadas continuem sendo palco de barbáries sem punição firme. Mas enquanto esse equilíbrio não acontece, que sigamos cada um semeando arredores mais sadios, para um futuro mais social.

Júlio Oliveira é jornalista e locutor esportivo da TV Globo

A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da FOLHA

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