O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou, com seis vetos, a lei que facilita a recuperação judicial de empresas em dificuldades e que melhora o acesso dos devedores a financiamentos. A medida foi listada como uma das prioridades do ministro Paulo Guedes (Economia) para o ano.

Imagem ilustrativa da imagem Lei cria novas condições para empresas em dificuldades
| Foto: Isac Nóbrega/PR

A proposta passou a ser chamada de Nova Lei de Falências e Recuperação Judicial, uma vez que atualiza a legislação que está vigente desde 2005 e que é considerada obsoleta por empresários.

O Ministério da Economia avalia que, diante da crise provocada pela Covid-19 e o impacto disso em diversas empresas, a nova lei protege os empregos e viabiliza que companhias se reergam rapidamente.

A parte sancionada por Bolsonaro já entra em vigor. Os vetos, no entanto, ainda vão ser analisados pelo Congresso Nacional, que pode confirmar o ato do presidente ou derrubar o veto.

A nova lei traz mudanças substanciais na lei 11.101/05, que, de acordo com o advogado e sócio sênior da Federiche Mincache Advogados, Alan Mincache, tem como objetivo ajudar as empresas a preservarem suas atividades e sua função social de geração de emprego e renda. A proposta cria mais condições para que as empresas possam se manter ativas e um ambiente mais favorável para a negociação com os credores, sintetiza Mincache.

De acordo com ele, uma das principais alterações é o tratamento diferenciado de credores que continuarem a fornecer produtos e serviços à empresa em recuperação judicial. “Existe na Recuperação Judicial sempre uma grande dificuldade de obter crédito. Sem capital de giro, bancabilidade, e fornecedores vendendo a prazo, ela acaba entrando em uma dificuldade ainda maior.”

A lei prevê que credores de bens e serviços que continuem a permitir que a empresa em recuperação judicial obtenha crédito, seja em prazo para pagamento ou em dinheiro novo, possam receber seus pagamentos de maneira diferenciada, sem deságio ou em prazo mais curto, por exemplo.

Com a alteração, a empresa poderá ainda se vender integralmente. “O sócio pode propor como meio sair do capital social da empresa e entrar outra pessoa para tentar levar o negócio adiante, ou então o credor pode converter o seu crédito em capital da empresa e passar a ser sócio da empresa”, explica Mincache.

PLANO

Se na assembleia de credores o plano de recuperação judicial fosse rejeitado, nas regras anteriores, a falência era decretada automaticamente. Pelas novas regras, os credores podem apresentar um plano alternativo no prazo de 30 dias. “Quando o plano é rejeitado, se permite um tempo, um espaço a mais para tentar manter a empresa preservada, pagando seus credores e gerando a função social que desempenha.”

NEGOCIAÇÃO

O novo texto incentiva ainda a conciliação para buscar o entendimento com os credores, sem prejuízo do processo de recuperação judicial. Na modalidade de recuperação prévia, o empresário obtém uma moratória de 60 dias para negociar suas dívidas com os credores antes de partir para uma recuperação judicial propriamente dita. Se a negociação não for bem-sucedida, ele pode recorrer à recuperação judicial ou extrajudicial, mas os 60 dias são descontados do prazo para a empresa se recuperar judicialmente.

PRODUTORES RURAIS

A nova lei também permite que produtores rurais façam pedidos de recuperação judicial, bastando para isso provar que exercem a atividade há mais de dois anos através de declarações de Imposto de Renda ou de contabilidade rural, por exemplo.

Objeto de veto do presidente Jair Bolsonaro, as CPRs (Cédulas de Produto Rural) passam, pela nova lei, a estarem sujeitas aos efeitos da recuperação judicial. Pelo Projeto de Lei aprovado no Senado, os credores permaneciam com o direito de cobrar do devedor da CPR. Com o veto do presidente, as cédulas passam a ser créditos sujeitos à recuperação judicial. "Muitas vezes o produtor rural para poder obter recursos durante a sua atividade se obriga a emitir cédulas de produtos rurais para poder obter recursos para fazer o plantio ou faz operações de troca por insumos, o chamado barter. Essas duas possibilidades, de acordo com o projeto original aprovado no Senado, não se submeteriam à recuperação judicial, o que enfraqueceria a possibilidade de recuperação."

'FRESH START'

No que tange às regras de falência, as novas regras tornam a lei mais flexível ao reduzir o tempo que o empresário pode começar uma nova atividade empresarial após uma falência. Pela regra anterior, um empresário só podia empreender de novo após cinco anos. Pela nova lei, o empreendedor já pode voltar à ativa mais rapidamente. “Falir não é pecado. Muitas vezes o empresário faliu por questão conjuntural da própria economia, por um produto que fornece, ainda mais em momento de disrupção em que muitos produtos e modelos de negócios estão desaparecendo rapidamente”, comenta Mincache.

Quando o empresário tem patrimônio escasso para liquidar ou até mesmo inexistente, em caso de falência, será agora permitido ao empresário fazer o encerramento sumário da falência e abrir novo negócio na sequência. “O objetivo é recolocar o empresário rapidamente de novo no mercado. Ele não pode esperar cinco anos.” Para o advogado, a demora para que o empresário possa empreender novamente pode colocá-lo em um ambiente de informalidade, sem geração de renda e tributos.

FISCO

Embora crie regras para facilitar a preservação de empresas, a nova lei é criticada por Mincache em alguns pontos. Um deles é a autoridade que confere ao fisco de decretar a falência da empresa caso ela assuma o parcelamento especial da dívida fiscal e tributária e não consiga honrar com os pagamentos.

“A empresa em recuperação judicial está tentando se reequilibrar, sair de um momento de crise, e nesse reequilíbrio, muitas vezes no afã de se manter viva, uma das primeiras medidas que acaba tomando é deixar de pagar impostos para pagar funcionários, fornecedores, bancos. Nessa nova disposição, o fisco ficou empoderado de uma arma muito forte que é a possibilidade de pedir falência.”

VETOS

A maior parte dos vetos do presidente à proposta do Senado também desagradou o advogado. "Muitas coisas (na proposta) foram avanços, algumas foram retrocessos, mas os vetos que foram apostos pelo presidente Jair Bolsonaro, a maior parte deles constituem flagrante retrocesso à Lei de Recuperação Judicial e à tentativa de reforma."

O dispositivo que suspendia as execuções trabalhistas contra os sócios da empresa até a homologação do plano de recuperação judicial foi vetado pelo presidente. "Se o patrimônio do sócio já é atacado desde logo para responder pelas dívidas da empresa, que estímulo ele tem em querer manter o empreendimento?", questiona Mincache.

O advogado também criticou o veto de Bolsonaro ao trecho que impedia que os investidores que se dispusessem a comprar a empresa em recuperação judicial ou parte dela assumissem as suas obrigações de natureza ambiental, administrativa, penal, anticorrupção, entre outras. "Qual estímulo tem um comprador que se interesse por um negócio em recuperação judicial, porém viável, se ele vai ter de assumir, suceder todas as dívidas da empresa? Ele já está pagando o preço pela compra e ainda assim tem o risco de sucessão de outras dívidas." (com Folhapress)