Imagem ilustrativa da imagem Com pós-venda precário, órgãos de defesa do consumidor acumulam milhares de queixas
| Foto: Gina Mardones



O produto ou serviço não prestou e o cliente liga para reclamar no call center da empresa que fez a venda. O sistema automatizado pede para ele apertar um número infinito de teclas, antes de chegar ao atendente. A paciência acaba e o cliente desiste. Quem nunca passou por essa tortura?

Embora o Brasil conte com um Código do Consumidor há quase 30 anos, além de uma série de normas estaduais e municipais, o atendimento pós-venda ainda é considerado crítico no País. "Vem melhorando. As empresas estão compreendendo que o mau atendimento impacta em suas receitas. Mas, de forma geral, ainda há muito o que fazer", afirma Gisele Paula, diretora de Novos Negócios do site Reclame Aqui.

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Empresas de telecomunicações, de comércio eletrônico e instituições financeiras são as mais reclamadas no site (https://www.reclameaqui.com.br/) e também no Procon do Paraná (http://www.procon.pr.gov.br/ ). A ineficiência é apontada como primeiro fator a explicar um pós-venda tão ruim, na opinião dela. "As empresas ainda olham mais para vendas e marketing que para o pós-venda. Principalmente aquelas que crescem mais rapidamente. Elas só passam a se preocupar com o atendimento quando as reclamações começam a aumentar muito."

Empresas de pouca concorrência, principalmente concessionárias de serviços públicos, demoram ainda mais para tomar providências. "Colocam na planilha quanto custa os clientes reclamarem e procurarem seus direitos na Justiça e quanto custa montar um time para prestar um atendimento", alega Paula. E ignoram a legislação. "A lei é clara ao estabelecer que logo no início do atendimento o consumidor deve ter a opção de cancelar o serviço. Deveria ser só apertar uma tecla. Mas elas não oferecem isso."

Consultora empresarial em Londrina, Fafita Lopes Perpétuo concorda. E diz que muitas empresas mantêm relação "reativa" com o cliente. "Preferem entrar numa briga que atendê-lo." São empresas que, segundo a consultora, se preparam apenas para vender e não para atender. "Às vezes até sabem que precisam melhorar o atendimento, sabem que precisam evitar que o cliente faça uma queixa, mas não sabem como fazer, vão deixando o tempo passar."

Outras se tornam exímias no bom atendimento. "Usam como diferencial em relação à concorrência o fato de terem um processo de troca facilitada de produto, de falarem regularmente com os clientes, não só na hora de vender, de terem um bom SAC, um 0800 sem fila", enumera.

Para Perpétuo, as empresas maiores, embora possam dispor de uma boa estrutura de atendimento, têm tantos clientes que é impossível para elas conquistar 100% de satisfação. "Vai ter sempre um percentual de problema." Mas algumas investem em sistemas robotizados de atendimento que deixam o cliente muito irritado. "Às vezes o cliente tem a percepção que aquele atendimento eletrônico foi feito justamente para ele desistir de entrar em contato", critica.

Por outro lado, para as pequenas empresas, alguns poucos problemas podem ter impacto maior na imagem. "Um único cliente que vai até o Procon pode ter impacto proporcionalmente maior", alega. Ter um bom atendimento pós-venda, segundo ela, exige investimentos não só em pessoal, mas também em processos e tecnologia. No entanto, o resultado, segundo ela, ainda que não imediato, sempre vale a pena.

DEIXA RECLAMAR
O consultor empresarial e colunista da FOLHA, Wellington Moreira, diz que há empresas que se utilizam da "estratégia" de deixar o cliente reclamar. "Acham mais barato lidar com quem reclama do que montar um sistema de atendimento que seja eficaz", afirma. Além disso, contam que boa parte dos clientes vai deixar a queixa de lado, sem procurar os órgãos de defesa do consumidor. Outras esperam o problema chegar à área de retenção do cliente para tomar providência. "Até lá, quem sabe ele desiste?", pensam elas.

De acordo com Moreira, há dois tipos de relacionamento entre empresas e clientes, o "transacional" e o "relacional". "Empresas que transacionam com os clientes só dão atenção enquanto ele estão dando dinheiro para ela. Depois, esquecem". E dá o exemplo de uma pessoa que acaba de comprar um apartamento. "A empresa que vendeu pensa que esse cliente não vai comprar outro apartamento em 10 anos. Então, ele não é mais cliente" ressalta.

Já, no modelo relacional, segundo o consultor, a empresa mantém relação constante com o consumidor. "Ela sabe que cada cliente dela conhece mais outras 300 pessoas pelo menos. Sabe que, quando um conhecido for comprar um apartamento, essa pessoa vai recomendar a empresa na qual comprou. Sabe qual será o prejuízo se alguém reclamar dela. Nessas empresa, toda vez que há uma reclamação, o cliente é atendido de imediato."

Moreira ressalta que, com as redes sociais e o poder que o consumidor tem de amplificar suas queixas, o prejuízo de um mau atendimento é muito grande. "Às vezes, a solução não é nem fazer o que o cliente quer, mas apenas dar atenção a ele."

O consultor afirma que, a exemplo das companhias listadas em bolsas de valores, que assistem seu valor cair, as demais empresas também são prejudicadas quando têm seu nome envolvido com fatos negativos. Só que, nas organizações comuns, é mais difícil contabilizar a perda. "Veja o que aconteceu com o Facebook. Em uma semana, perdeu 10% do valor de mercado", ressalta Moreira, referindo-se à queda no preço das ações da empresa após o escândalo da venda de dados dos usuários.