Na última quarta-feira (9), a divulgação do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) confirmou o que os consumidores brasileiros já vinham observando ao fazer as suas compras nos supermercados. Considerado a inflação oficial do País, o índice subiu 0,24% em agosto. Na comparação com o mês anterior, quando a taxa foi de 0,36%, houve desaceleração, mas ainda assim, foi o maior percentual registrado em um mês de agosto desde 2016, quando o índice ficou em 0,44%. Em agosto de 2019, a taxa foi de 0,11%.

Imagem ilustrativa da imagem Alta nos alimentos traz inflação de volta à mesa dos brasileiros

A maior influência no resultado do IPCA foi a gasolina, produto com maior peso na composição do índice, que subiu 3,22% no mês passado, refletindo reajustes promovidos pela Petrobras durante o mês. Mas as maiores altas foram verificadas nos preços dos alimentos. A variação no preço dos itens de alimentação e bebidas foi de 0,78%. Dos nove grupos de produtos pesquisados, seis tiveram alta em agosto. O maior aumento foi no preço do tomate, que subiu 12,98% no mês, seguido do óleo de soja (9,48%), leite longa vida (4,84%), frutas (3,37%), carnes (3,33%) e arroz (3,08%). O arroz acumula alta de 19,25% no ano e o feijão já tem inflação acima de 30%, dependendo do tipo e da região do País.

Os consumidores sentem a alta no bolso e para driblar os reajustes de preço e conseguir fechar as contas no final do mês, fazem manobras no orçamento familiar. Eles sabem que não há mágica possível e a substituição de produtos mais caros pelos mais em conta, o corte de supérfluos e a redução do consumo de itens básicos são as principais medidas adotadas por quem controla a economia doméstica. “A gente evita o desperdício para poder ter um consumo maior e reduz o consumo de alguns produtos. Carne, por exemplo, a gente compra menos quando o preço aumenta, substitui por ovo, e deixa de consumir o que não é de primeira necessidade”, comentou Adriana Rodrigues André.

A auxiliar de produção e o marido são os responsáveis pelas compras da casa e viram uma das principais despesas do lar, os alimentos, subir de repente. O pacote de cinco quilos de arroz, que custava entre R$ 14 e R$ 16, foi reajustado para R$ 20. O casal também percebeu aumentos em outros itens de primeira necessidade, como o leite e o óleo de soja, mas como o consumo desses dois produtos pela família é menor, essas altas foram menos sentidas. “O aumento de alguns produtos não impacta tanto porque o nosso consumo é pequeno. Mas arroz, feijão e carne tiveram um aumento brutal”, avalia André.

“Com esses últimos aumentos, os meus gastos com comida subiram uns 30% a 40%. E o pior é que foram aumentos nos itens de primeira necessidade, que a gente não fica sem”, disse Valter Augusto Santos. Ele cita o óleo de soja, cujo litro passou de menos de R$ 3 para quase R$ 6 em um período curto de tempo, e o arroz, que subiu de menos de R$ 4 o quilo para mais de R$ 5. “Eu compro sempre pacotes de um quilo de arroz. Na última vez em que fui ao supermercado, peguei na prateleira sem olhar o preço porque estava acostumado a pagar menos de R$ 4. Quando passei no caixa, levei um susto. Estava perto de R$ 6. Tem coisas que a gente consegue substituir, mas o arroz não dá.”

Além do aumento das exportações e de questões sazonais, o governo federal vincula a alta nos preços dos alimentos ao pagamento do auxílio emergencial durante a pandemia, que teria colocado mais dinheiro nas mãos dos brasileiros, elevando o poder de compra da população. Creditar a inflação à pandemia, no entanto, é simplificar demais a questão, afirma o economista e supervisor técnico do Dieese no Paraná, Sandro Silva. Ele lembra que o movimento de alta nos produtos alimentícios já vinha ocorrendo desde o ano passado e só foi intensificado pela crise sanitária decorrente da Covid-19.

O aumento das exportações foi o principal fator que fez a inflação voltar à mesa dos brasileiros, mas há que se considerar ainda a questão cambial, com a desvalorização do real frente ao dólar. No início do ano passado, destacou Silva, o dólar custava R$ 3,88, em média. No início desta ano, antes do início da pandemia no Brasil, o preço médio da moeda americana era R$ 4,34. “O real já vinha se desvalorizando e as medidas desse governo e do anterior não surtiram efeito na economia. Além da questão do câmbio, influenciada pelos fatores econômicos e políticos, tem a redução da área plantada, que reduziu a oferta de alguns produtos”, pontuou o economista.

Os preços atrativos da soja e do milho no mercado exterior estimularam os agricultores a abandonarem o cultivo de produtos largamente consumidos no mercado interno, como o arroz, o feijão e o trigo. Enquanto reduziu a oferta, as exportações de arroz cresceram. De abril a agosto deste ano, o Brasil exportou 970,7 mil toneladas de arroz contra 367,8 mil toneladas em igual período de 2019 - aumento foi de 163,92%. Hoje, o principal importador do arroz brasileiro é a Venezuela, com 20% do total despachado a outros países. “Além disso, desde 2015 vem ocorrendo um desmonte da estrutura do governo para garantir a segurança alimentar e os estoques reguladores vêm reduzindo. O governo praticamente acabou com o estoque regulador,”, destacou Silva. Em 2015, os estoques reguladores de arroz do governo eram de 1.629 toneladas. No ano passado, baixou para 22 toneladas, quantidade insuficiente para conter os preços.

O economista Marcos Rambalducci acrescenta ainda a alta dos custos de produção, atrelados ao dólar, e o período de entressafra, que agrava ainda mais a situação. “Foi uma confluência de fatores que fizeram com que a cesta básica subisse, na média, 8,33%. Isso é muito impactante porque foi em 30 dias. Se fosse fazer essa projeção para o ano todo, seria uma inflação anual de 120%, uma coisa absurda.”

Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro pediu “patriotismo” aos donos de supermercados no País para reduzir a margem de lucro no menor nível possível e, assim, conter o preço dos alimentos. Na última quarta-feira, após a divulgação do IPCA, a Camex (Câmara de Comércio Exterior) reduziu a zero a alíquota de importação de arroz. As duas medidas, no entanto, são ineficazes, avalia Silva. “O problema é muito maior do que isso e exige um planejamento e uma política mais efetivos do Estado para garantir a segurança alimentar da população. A lógica de mercado não resolve tudo. Tem que ter patriotismo primeiro do governo.”(Com Folhapress)

Redução de preços deve começar nos próximos meses, dizem economistas

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o cenário atual é mais prejudicial às famílias de baixa renda, para quem as despesas com comida pesam mais no orçamento. Apesar dos sinais de preocupação com a inflação emitidos pelo governo, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia considerou a elevação de preços “um choque transitório e localizado e que não deve afetar o índice mais amplo de inflação”. O secretário, Adolfo Sachsida, prevê um retorno à normalidade dos preços nos próximos meses.

O economista Marcos Rambalducci compartilha dessa visão otimista. “Alguns produtos não vão baixar, mas outros vão cair de preço. Podemos não ter uma redução do preço da cesta básica em 30 de setembro, mas não vai ter uma alta dessa magnitude (de agosto). Vamos ter uma devolução de parte desse aumento logo no final deste mês”, analisou.

Para o economista e supervisor técnico do Dieese no Paraná, Sandro Silva, as perspectivas não são muito animadoras. A redução de preços até é possível, mas pouco expressiva em razão dos estoques baixos. “Setenta por cento do arroz produzido no Brasil vem do Rio Grande do Sul e os agricultores estavam segurando para vender mais caro. Se houver redução de preços neste ano ainda, não vai ser significativa. Só no ano que vem. A gente vai ficar no vai-e-vem do mercado.”

Trocar arroz por macarrão sai mais caro, alerta economista

Em nota encaminhada à imprensa, a Apras (Associação Paranaense de Supermercados) considerou “preocupante” o momento atual em razão do desequilíbrio no fornecimento que pode gerar escassez, desabastecimento, inflação e redução da frequência de alguns alimentos na despensa dos brasileiros. Segundo a Apras, para que essa situação não ocorra, os supermercadistas buscam manter os preços “o mais baixo possível e que apenas estão repassando as altas aplicadas pelas indústrias”.

A entidade afirmou ainda apoiar o pedido da Abras (Associação Brasileira de Supermercados) ao Ministério da Agricultura, para que sejam adotadas medidas a fim de manter o abastecimento de produtos básicos à população brasileira, a preços competitivos, garantindo o equilíbrio de mercado.

Na quarta-feira (9), o presidente da Abras, João Sanzovo Neto, anunciou que será feita uma campanha para o brasileiro substituir o arroz pelo macarrão, já que não há prazo para que o preço do cereal seja reduzido para os consumidores finais. “Vamos estar promovendo o consumo de massa, macarrão, que é o substituto do arroz. E vamos orientar o consumidor que não estoque (arroz)”, disse ele.

Substituição que, pela análise do economista e supervisor técnico do Dieese no Paraná, Sandro Silva, seria inviável. “O macarrão é mais caro e rende menos. Um pacote de meio quilo de macarrão é consumido em uma refeição por uma família enquanto meio quilo de arroz rende várias refeições. O o trigo aumentou 8% entre agosto de 2019 e agosto de 2020. O Brasil não é autossuficiente em trigo e nós importamos o grão. Mas a Argentina, o principal exportador para o Brasil, reduziu as vendas para o País.”