Carne na lata: muito comum na época em que nem havia geladeira em casa, a receita chega aos dias atuais com tratamento gourmet e sabor preservado
Carne na lata: muito comum na época em que nem havia geladeira em casa, a receita chega aos dias atuais com tratamento gourmet e sabor preservado



Quando nem se pensava em refrigeração e congelamento para conservar a comida por mais tempo, técnicas foram desenvolvidas ou descobertas para manter a integridade dos mais variados alimentos, seja por necessidade e até mesmo sobrevivência humana. Dentre eles, a cura (com açúcar ou sal) e a defumação são os métodos mais conhecidos por preservar, principalmente, as carnes. Nesses processos, cria-se uma barreira que dificulta a decomposição da proteína e proliferação de bactérias, fazendo que ela possa ser consumida por um período longo sem riscos de contaminação.

Mas existe uma técnica bem antiga, até hoje utilizada, que é o processo de confit (palavra que vem do verbo francês 'confire' e significa conservar). Nada mais é que a carne cozida na própria gordura e, depois, armazenada nesta gordura. Resumidamente, neste processo, a carne é cozida ou frita lentamente em sua própria gordura de forma que se retire a umidade excessiva. Quando a carne apurar é resfriada em recipiente com toda a gordura de maneira que fique totalmente submersa. Ao esfriar, a banha talha e forma uma camada protetora, impedindo o contato com o ar e garantindo a conservação.

No Brasil, o confit é popularmente conhecido por "carne na lata", muito comum na época em que não havia geladeira em casa, principalmente em cidades do interior do país. Essa forma de conservar veio para cá com os portugueses que chegaram ao país em navios carregando quilos e mais quilos de carne armazenadas dessa forma. Mas qual a diferença entre um e outro? O confit ou carne na lata são, basicamente, o mesmo processo de cocção. Mas esse nome ficou conhecido no país porque a carne, geralmente de porco, era comumente armazenada em grandes latas.

Diego Trindade, chef de cozinha: "A carne na lata pode ser acompanhada de molho (vinagrete, agridoce ou tropical), além de farofa de mandioca na manteiga"
Diego Trindade, chef de cozinha: "A carne na lata pode ser acompanhada de molho (vinagrete, agridoce ou tropical), além de farofa de mandioca na manteiga" | Foto: Fotos: Gina Mardones



Depois de mergulhada na gordura talhada, uma espécie de uma pasta, é só pegar os pedaços, esquentar e comer. Quanto mais tempo submersa, mais sabor e maciez ela adquire, já que a gordura aumenta essas propriedades. Essa técnica pode ser utilizada com qualquer tipo de carne e qualquer tipo de gordura, até mesmo vegetal, com exceção da hidrogenada que não é recomendável. Muito comum na França com a carne de pato, a técnica do confit pode ser utilizada para qualquer tipo de conserva, incluindo frutas que ficam submersas em açúcar, mel, e legumes, no azeite.

O confit de cordeiro pode ser servido com cuscuz marroquino e molho de iogurte
O confit de cordeiro pode ser servido com cuscuz marroquino e molho de iogurte



GOURMET
A técnica do confit, ao mesmo tempo em que não tem mais sua função original, ganhou um status gourmet. Ou seja, não existe mais o propósito da conserva, apesar ainda dele ainda ser válido, mas o fato de ficar armazenada por bastante tempo na gordura confere às carnes um sabor a mais que transforma receitas em iguarias. Hoje, pelas mãos de chefs, a técnica ganha releituras contemporâneas apoiadas, inclusive, em cortes mais modernos. O tomate confit também tem feito muito sucessos nos restaurantes.

O chef do Boussolé Gastrobar, Diego Trindade, diz que no estabelecimento há dois tipos de pratos disponíveis que são feitos com a técnica: a carne de porco na lata e o confit de cordeiro. "As técnicas são muito parecidas, porém, cada carne tem sua particularidade. Aqui usamos a gordura proveniente da banha de porco derretida." Quanto à gordura, inclusive, pouco se fala sobre a característica da banha do porco: por ser disposta em uma camada, é mais fácil de ser separada da carne. O mesmo não acontece no boi, que tem a gordura entremeada. Já o pato é o preferido das aves por possuir bastante gordura.

No caso da carne na lata, a carne de porco é colocada na gordura ainda fria, de modo que ao esquentar, comece a cozinhar. "Ali fica por até seis horas. Quando a água toda evaporar e começar a fritar, é hora de desligar." Tudo é despejado em pequenos baldes e colocado imediatamente na geladeira por exigências sanitárias. "Mas quem fizer em casa pode, perfeitamente, deixar fora de refrigeração, atentando ao fato de tampar para não entrar insetos", acrescenta. O chefe deixa a carne submersa por, no mínimo, 30 dias, a fim de maturar e adquirir mais sabor antes de ser servida. Para ser consumida, ele retira um pedaço com um pouco da gordura talhada e só aquece. "O prato leva a carne acompanhada de molho (vinagrete, agridoce ou tropical), além de farofa de mandioca na manteiga. Essa carne também fica muito bem com polenta ou salada de repolho."

Já o confit de cordeiro é mergulhado na gordura fria e levado ao forno em fogo baixo. Lá também fica cozinhando por várias horas antes de começar a fritar. Este é o momento de desligar. "A carne é retirada e servida em seguida, mas pode ficar submersa na gordura e retirada apenas no momento do consumo." No restaurante a carne é servida com cuscuz marroquino e molho de iogurte. O chef diz que também combina com pão sírio e coalhada seca. Ambas as carnes ficam maturando um dia em tempero a base de ervas e sal antes de serem cozidas na gordura.