Imagem ilustrativa da imagem FOLHA CONFERE: Por que o leite de caixinha dura tanto? E por que os frangos crescem tão rápido?
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Muitos mitos circundam a indústria agropecuária. A falta de conhecimento sobre as tecnologias utilizadas antes do alimento chegar às mesas provoca ondas de incertezas e teorias infundadas. É o caso de um vídeo que tem circulado nas redes sociais, o qual sugere, entre outras coisas, que os pecuaristas induziriam com alguma substância o crescimento acelerado de frangos e também de que haveria algum aditivo no leite vendido na caixa para durar mais tempo. Segundo o vídeo, esses seriam fatores requeridos a um “selo de qualidade”, necessário para a comercialização desses produtos. Entretanto, essas "informações" não são verdade.

Para explicar melhor como ocorre a produção e certificação de alimentos de origem animal, a FOLHA conversou com as professoras e médicas veterinárias Vanerli Beloti e Ana Paula Ayub Barbon. Beloti é doutora em Ciências dos Alimentos, pós-doutora em qualidade do leite e professora na Universidade Estadual de Londrina. Barbon é mestra em inspeção e higiene de alimentos, doutora em Ciência Animal e professora na UniFil.

CERTIFICAÇÃO

É preciso entender que não basta um alimento ser produzido para chegar ao mercado. Para assegurar que é próprio para o consumo, o produto deve passar por uma burocrática inspeção que levará em conta a qualidade da mercadoria, a saúde do animal e as condições sujeitas antes, durante e depois do processo que resultará em produto consumível.

Essa vistoria é feita por órgãos governamentais nos âmbitos federal, estadual e municipal, dependendo do alcance geográfico de sua comercialização. Se a instituição verificada seguir os conformes indicados por lei, ela será contemplada por um carimbo ou selo e terá sua venda liberada. O serviço é realizado por profissionais da área, tais como médicos veterinários, contratados pelo Ministério da Agricultura, Secretarias e Prefeituras.

LEITE

Vanerli Beloti explica que a partir da ordenha de uma vaca leiteira os cuidados com a higiene já são intensos, pois a contaminação do leite nesse momento já pode comprometer sua qualidade e durabilidade. Tais medidas sanitárias são mantidas até o fim da produção. A principal técnica que confere uma vida mais longa ao leite é a pasteurização. Que consiste na exposição do leite a uma brusca variação de temperatura, eliminando microrganismos nele presentes que causam doenças, como tuberculose e brucelose. Por isso, não é permitida a comercialização do leite cru.

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Todo leite é pasteurizado, inclusive aquele que virá a ser o leite em pó. O leite que compramos em saquinhos, galões ou garrafas de vidros é identificado como pasteurizado justamente por sua produção se encerrar nesse ponto. Basta embalá-lo e mantê-lo a baixas temperaturas que ele está pronto para o consumo.

Porém, o leite longa-vida ou UHT (Ultra High Temperature, Ultra Alta Temperatura em inglês) passa por mais etapas. Beloti explica que a fim de que ele dure por mais tempo fora da geladeira, esse leite é preaquecido e então submetido a temperaturas de 120ºC a 140ºC por apenas 4 segundos. Esse curto período de tempo é suficiente para que se eliminem demais bactérias presentes, responsáveis pela diminuição da vida útil do produto. Ao final, o leite é quase estéril. O leite longa-vida é armazenado em caixas que possuem diversas camadas de diferentes materiais que garantem que o conteúdo não entre em contato com o ar ou luz, dificultando sua oxidação e re-contaminação.

A combinação dessas etapas faz com que um leite possa ser mantido por meses fora da geladeira e continue próprio para o consumo. Não há a aplicação de conservantes inclusive porque, por lei, não é permitido que haja aditivos de qualquer natureza no leite, “a não ser o citrato” – salienta a professora. Beloti explica que “o citrato é uma substância que existe no leite naturalmente, o que é adicionado é uma maior quantidade”. Essa adição é permitida pois as altas temperaturas desnaturam proteínas e o citrato evita que essas proteínas se precipitem. Qualquer outra alteração encontrada no leite (por exemplo, o formol) é caraterizada como fraude, crime no Brasil.

FRANGO

O grande e acelerado crescimento das aves criadas para o abate é outro ponto que causa dúvidas na população: estariam as empresas injetando hormônios nos frangos? Ana Paula Barbon afirma que não. A teoria é inconsistente, em primeiro lugar, porque a prática é ilegal no Brasil, assim como nos países europeus para onde o Brasil exporta – os quais são muito exigentes quanto a normas sanitárias. Em segundo lugar, seria logisticamente inviável realizar a aplicação em cada uma das aves. Mas, então, como um frango atinge o tamanho de abate em apenas 45 dias?

A resposta, relata Bardon, pode ser encontrada na evolução tecnológica quanto a genética e dieta das aves. A cadeia avícola foi capaz de selecionar os melhores animais fazendo com que os produtores “conseguissem ressaltar aquilo que o consumidor quer”, afirma. Há também outros fatores benéficos à criação de animais, como ambiência e nutrição. Dessa forma, o frango ganha peso e estrutura em pouco tempo. Mas a professora aponta que esses estudos trazem algumas consequências, como a maior sensibilidade do frango a mudanças de temperatura.

Uma prática que causa dúvidas no consumidor de carne é quanto a presença de antibióticos no organismo do animal. A fim de garantir a boa saúde do frango e, por conseguinte, do ser humano, os animais recebem medicamentos, porém não há resíduos deles na carne. Isso porque há um limite seguro de quantidade de antibióticos e um período de carência a ser respeitado para que se eliminem resquícios do organismo do animal. Vale lembrar que esses medicamentos não são os mesmos que os humanos consomem. A fiscalização desses fatores é feita pelo PNCRC (Programa Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes). “Acredito que a gente vai acabar tirando vários princípios ativos ao longo da produção desses animais com o tempo, e vai ter que começar a se adaptar com outros mais naturais”, afirma Barbon.

O vídeo que dispersou essa informação falsa não se vale de argumentos científicos ou dados concretos, característica que deve sempre causar desconfiança ao leitor. Se você receber uma informação suspeita, não deixe de enviar para o Folha Confere por meio deste formulário (https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSd38WzlKEa0f0aAzzCO29kF22I7Ii6igmzsIK9I-2L7DCYpFw/viewform) ou utilizando a hashtag #FolhaConfere nas redes sociais.

Supervisão - Patrícia Maria Alves - editora