Sempre acreditei que se somos pouco capazes de nos observar, devemos ao menos tentar observar o mundo a nossa volta. Isso já ajuda bastante. Observar-se e observar é o plano ideal. Mas poucos conseguem equilibrar essa delicada equação. Ou estamos muito para fora ou por demais para dentro. Ou nem para dentro e tampouco para fora, o que em geral acarreta uma montanha de problemas. Mergulhar em si mesmo é uma aventura extraordinária. E incomunicável, pois cada qual, ao fazê-lo, desmistifica medos e potencializa caminhos muito particulares.

O grande poeta norte-americano Walt Whitman dizia que somos frações completas do universo e que, portanto, há em cada um de nós uma inteireza vertiginosa: caótica, porém plena de sentidos e possibilidades. E que deveríamos aprender a lidar com nossos medos, pois entendê-los parece difícil, dado o seu caráter puramente irracional. Pela mesma razão, “domar” ou “dominar” nossos temores é algo desejável, mas raramente verificável. Ademais, o medo é fundamental. Sem ele, pouco nos mobilizaríamos para achar coragem. Na sala de casa há um belo quadro do artista londrinense Claudio Francisco da Costa, onde vemos um homem de costas observando o mar e, abaixo, a inscrição: “Coragem, meu bem, coragem”.

Dito isto, devo tentar dividir com o leitor uma honesta constatação de dentro e uma cristalina percepção de fora.

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. | Foto: Tela: Claudio da Costa/ Foto: Adriano Garib

Começo com a de dentro. Tenho sentido arrepios de paúra frente ao que considero meu pecado capital: a preguiça de desbravar novos territórios íntimos, relacionados sobretudo a outros tipos de trabalho. Passamos a vida toda fazendo em geral uma coisa só. Quando somos confrontados com dificuldades que nos impelem a outras atividades (uma pandemia, por exemplo), tendemos a rejeitá-las como se fossem odiosas ou como se mudar de área de atuação nos humilhasse e nos rebaixasse. Claro que isso mexe a fundo com nosso orgulho e vaidade, sentimentos tremendamente difíceis de serem administrados. Em muitas religiões e práticas meditativas, o binômio orgulho-vaidade requer um milhão de preces e muitas horas de quietude para ser não exatamente “superado”, - já que não parece possível livrar-se disso - mas minimamente aceito e só então “manobrável”.

Já a percepção de fora, tão confusa quanto a própria “realidade”, é a de que vivemos tempos de absoluta exceção, uma jornada sem precedentes que a todos afeta, em maior ou bem maior grau. Testemunhamos dia a dia fatos e eventos como a decadência da democracia e do capitalismo global, a ascensão de autoritarismos e fundamentalismos, o materialismo, o individualismo, o crescimento de desigualdades sociais e econômicas, uma terra devastada no plano ecológico, violências e intolerâncias de todo tipo, ameaças as liberdades e a direitos fundamentais, uma epidemia de proporções mundiais, migrações em massa, terraplanismo e fake-news, descrédito da ciência e da academia, a supervalorização do mundo virtual em detrimento do real etc. A lista é interminável e aponta para uma iminente derrocada da humanidade.

Se frente a tal cenário não formos capazes de manter o mais renitente engajamento humano (demasiado humano), certamente capitularemos. Minha mais profunda esperança, no entanto, exige, ao menos de mim mesmo, a leveza e a lucidez dos que encaram o mar com alguma coragem.