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Avenida Paraná 5m de leitura

Homem de pijama no bar

Um personagem do passado faz-me pensar numa verdade assustadora: — O tempo não existe

ATUALIZAÇÃO
24 de abril de 2019

Paulo Briguet
AUTOR

Certa vez, há muitos anos, conheci um homem que ia de pijama ao bar.


Ir ao bar, OK. Colocar pijama, OK. Mas, por algum motivo, instituíram que é condenável ir de pijama ao bar. O homem, porém, estava acima desses regulamentos.


Morava na pensão ao lado do boteco. Provavelmente era sozinho na vida. Às seis horas da tarde, abria a porta da pensão, dava quinze passos e sentava-se a uma das mesas de metal.


Na verdade, o bar era um estabelecimento muito simples, daqueles que têm vidros de tremoço e coxinhas na estufa. Na parede, via-se um aviso metafísico: FIADO SÓ AMANHÃ. Se você voltasse no dia seguinte, é lógico que o aviso ainda estaria ali; e assim até o final dos tempos. Ou seja, aquele pequeno aviso continha uma sentença assustadora: — O tempo não existe.


De pijama, o homem pedia uma cerveja, que lhe era prontamente servida. Bebia em paz e solidão. Não o incomodavam, e ele não incomodava ninguém. Depois de um tempo, dava uma olhada no relógio (sim, ele usava relógio de pulso) e voltava para a pensão.


O pijama era velho como o homem. De flanela, com bolinhas azuis: uma segunda pele. Estava sempre limpo, o pijama, o que não deixa de ser um fato estranho; desconfio que o homem tivesse dois ou três modelos iguais. Ah, também havia as sandálias Franciscanas, com uma quilometragem que possivelmente superava a do Trópico de Capricórnio.

A tarde caía; as pessoas deixavam o trabalho, passavam pelo bar. No canto, à sua mesa predileta, o homem solitário bebia o líquido amarelo e borbulhante. Às vezes, novos clientes o olhavam com estranheza. Mas logo se acostumavam.


Nós estávamos lá, vestidos e munidos com a roupa da vida cotidiana: camisas, calças, sapatos, cintos, blusas, lenços, carteiras, pastas, agendas e até celulares (eram esquisitos os celulares daquela época!). Falávamos de tanta coisa: trabalho, política, esporte, religião, sexo, música, literatura, piadas.


O homem, não. Jamais ouvi uma palavra de sua boca. Talvez fosse mudo. Ele vivia no silêncio completo de um tempo que não era tempo: sua vida era sono, espuma, solidão e memória. Um leve sorriso nos lábios (e me diga: qual é o sorriso que não vem dos lábios?). Uma certeza serena do mais simples. O conhecimento do elementar.


Um dia, venderam o bar, que passou por uma reforma e modernizou-se. Na mesma época, a pensão fechou as portas. Nunca mais tive notícias do homem, do seu pijama e das sandálias Franciscanas. Depois, o bar moderno também fechou as portas, e hoje virou farmácia. (O que me lembra uma frase do Zeca Pagodinho: “Eu bebo pra ficar ruim, se fosse pra ficar bom eu tomava remédio”.)


Que fim levou o homem de pijama? Não faço a mínima ideia. Mas hoje eu resolvi apresentá-lo a vocês sete. Se um dia vier a encontrá-lo em algum sonho, farei a pergunta que sempre quis fazer:


— Que horas são?


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