Aprecio muito os momentos em que me deparo com palavras novas. Sou do tipo de gente que lê, aleatoriamente, dicionários. A ideia é encontrar algo inusitado, um sinônimo perfeito, um adjetivo sofisticado. Mantenho meu dicionário dos grandes sobre a mesa: sei que as versões eletrônicas são mais ágeis e completas, mas não quero perder o hábito de folhear páginas que tantas alegrias me trouxeram nesta vida.

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Na infância foram os gibis que me iniciaram no universo das palavras. As histórias em quadrinhos me fascinavam e me punham a par das enormes artimanhas de que são capazes as letras do alfabeto. Na verdade, nunca perdi esse contato mágico com os quadrinhos – eles ainda fazem parte, num local privilegiado, de meu conjunto de leituras. Foi com os heróis e anti-heróis da Marvel e da DC que aprendi mais. Não apenas palavras, mas também modos de ver a vida, de encarar os fatos, de me posicionar como sujeito que tem ideias e sonhos.

Embora nunca tenha abandonado os gibis, os livros juvenis foram conquistando seu espaço. Lembro com carinho da Coleção Vaga-lume, das histórias escritas por Marcos Rey ou protagonizadas por personagens como Xisto. À frente dessas aventuras, contudo, veio “O Menino Maluquinho”, icônica e eterna criação de Ziraldo. Livro, livro mesmo, esse foi o primeiro que li. Guardo como relíquia meu exemplar adquirido mais de quarenta anos atrás.

Entre páginas e mais páginas ficcionais, acabei adquirindo gosto pela “verdade factual”, para usar uma expressão muito cara a Hannah Arendt. O processo, imagino, foi “natural”: a vida imita a arte. Noções como liberdade, igualdade e justiça, encontrei-as tanto na ficção quanto nos livros de história. No fim das contas, descobri a minha síntese perfeita, enveredando pelos caminhos da boa e velha Sociologia. Hoje afirmo com satisfação que aprendo muito tanto com Machado de Assis e Rubem Fonseca quanto com Norbert Elias e Walter Benjamin. Os universos não são paralelos; cruzam-se de muitas maneiras no infinito.

Dias atrás, numa dessas minhas viagens cósmicas pelo universo das letras, conheci uma palavra nova. De fato, ela existe desde 1974, cunhada pelo Professor Ted Robert Gurr, e se trata de um neologismo. Para mim, contudo é fresca e cheira à boa nova. Falo de “anocracia”, cujo significado gira em torno da ideia de um regime político híbrido, nem autoritário, nem democrático. No limite, é como se a referência fosse a uma terra de indefinições, medos, idas e vindas em sua história, marcada por avanços expressivos e retrocessos temerosos.

O Brasil é, sem dúvida, uma legítima “anocracia”. Nossa democracia é frágil e imperfeita, assustada por fantasmas autoritários e modos de vida intolerantes, violentos e desafeitos ao diálogo como fonte de resolução dos conflitos. É de causar espanto que muitos de nós, brasileiros, tenhamos coragem de acenar para alternativas que prometem manter nossa trajetória dentro dessa lógica hostil e triste. Felizmente, como todo adorador de palavras novas, há entre nós aqueles que aspiram a um futuro melhor. Multipliquemo-nos!

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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