Ontem foi meu aniversário. Cheguei à última fronteira dos 50 anos. Não é pouca coisa, não. Nesse quase meio século de vida, pude presenciar muitas histórias, protagonizar algumas delas, ter assento privilegiado nas arenas de diversos acontecimentos. Não tenho direito, portanto, de reclamar de nada. Escrevi livros, plantei árvores e tenho um filho que me enche de alegria (e de preocupações típicas da adolescência). No geral e no particular, sinto-me bem, apesar de reconhecer que nem tudo são flores, é claro.

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Lembro que desde garoto sou apaixonado pela palavra escrita. Amo ler e escrever. Rabisco o tempo todo: aventuro-me por verso e prosa. Admito que é pela escrita que pretendo contribuir com o mundo e sua transformação. Creio ser este meu papel: auxiliar na interpretação dos fatos, orientar ideias, conjugar ações. A caminho de preencher cinco décadas de existência, dediquei a maior parte do tempo à docência. Ingressei na escola aos 6 ou 7 anos e de lá nunca mais saí. Tornei-me professor bem cedo, logo que me formei na UEL, onde hoje tenho imenso orgulho e indescritível prazer de trabalhar.

A trajetória até a UEL foi empedrada. Por 15 anos, estive em salas de aula em ambientes insalubres e até dentro de shopping center. Houve época em que somava uns 600 ou 700 alunos por semestre, ministrando a mesma disciplina em 8 ou 9 turmas diferentes. Era impossível não me sentir um robô. O ápice do terror foi quando me vi obrigado a dar aula de Sociologia para alunos de 6 cursos diferentes de graduação, todos misturados num anacústico auditório – e isso ocorreu mais de uma vez. Em 49 anos, ao lado do friúme de tagarelar diante de uma câmera de vídeo, essa foi a mais dolorosa das minhas vivências profissionais. Acabou. Sou incapaz de lamentar.

Essas reflexões despontam num momento em que, de modo tardio, optei por me dar mais atenção, cercar-me de cuidados. Tenho feito psicoterapia e acompanhamento neurológico há algum tempo. Percebi, na prática, que não sou de ferro. Todos nós achamos que vulneráveis são os outros. Ano após ano de trabalho, estresse, autocobrança, a conta chega, é azeda e só aceita pagamento à vista. São os turbilhões de mal-estar do neoliberalismo, em cujo rodamoinho nos declaramos culpados por não ser aquilo que a cultura hegemonizada pela burguesia impõe que sejamos. Hoje, mais do que nunca, sei da importância de um bom livro, uma música gostosa, um filme inteligente e divertido. Reconheço também a beleza da vida natural, das pequenas coisas do mundo, do estímulo aos nossos cinco sentidos. Não sei quanto tempo ainda tenho pela frente, mas desconfio que essas novas atitudes tornarão o meu tempo futuro bem mais fecundo do que o passado inteiro.

Como ensinou o poeta francês Charles Baudelaire, numa sentença conhecida desde a Terra do Fogo até a Galáxia de Andrômeda: “Só se destrói realmente aquilo que se substitui”. Permitamos a substituição daquilo que estamos muito acostumado a ser. É bom para que o jogo permaneça bom e atraente.