Na tela grande do Villa Rica, esta sexta-feira (10), é dia de "Deus e o Diabo na Terra do Sol" e no coração de Londrina. É dia de Glauber restaurado. É dia de recuperar alguma fé. E Rochas que rolam não criam limo. Saia do limbo e vá lá que tem lançamento de livro sobre o nosso 'enfant terrible' do cinema novo. Não fique aí ensimesmado. Não fique aí sozinho cismando que a sexta só é cinza quando ela cai na quarta-feira e ainda por cima depois do carnaval.

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A Sessão Kinopus começa às 19 horas, sete da noite. Vai ter lançamento e debate sobre o livro “Sonata de Deus e o Diabulos: Música, Cinema e Pensamento”, do professor do curso de música da UEL e compositor André Siqueira. A coordenação é do cineasta londrinense Rodrigo Grota. O Vila Rica fica na esquina supersônica da Rio de Janeiro com a Piauí.

Glauber Rocha é referência necessária como toda a renascença baiana que aconteceu a partir dos anos do governo de Otávio Mangabeira (1947 – 1951), que investiu vigorosamente na dinamização da cultura como um todo. Uma geração de artistas se consolidou a partir do apoio das políticas de então. Os nomes são muitos e todos estão por aí, mesmo os que já partiram. E vão ficar para sempre. Dos que estão por aí ainda dividindo suas sombras com o sol, Caetano e Gil são os soberanos soteropolitanos, mas também Tom Zé e Maria Bethânia.

Dos que viraram luz, Torquato Neto e Waly Salomão voltam agora a estar por aí em livro. Dois lançamentos recentes os trazem com roupagens imprevisíveis, deslocados da inércia sedentária dos rótulos automáticos: “Jet Lag”, de Waly Salomão que saiu pela Companhia de Letras e o incandescente “O Fato e a Coisa” que o Círculo de Poemas da Editora Fósforo trouxe para o grande público brasileiro.

“Jet Lag” foi organizado pelo filho de Waly, o artista plástico e também poeta Omar Salomão. Com uma capa psicodélica de monotipias assinadas por Luiz Zerbini, o livro é uma coletânea de poemas que tem como tema a viagem. Do criador da letra de Vapor Barato (parceria com Jards Macalé – que completou recentemente 80 anos de plena juventude), o livro passa por todas as fases do poeta de Jequié mostrando como sua alma era nômade. O encanto da alegria explosiva que se chama poesia e que faz com que as palavras se amalgamem com as hemácias de quem as decifra.

Poesia é uma passagem de vida que percorre a linguagem. Waly Salomão era um exímio navegador delas. O marujo da lua. Sailormoon. Leia sem medo. Leia para nunca mais sentir medo. A vida como viagem. Nenhuma vertigem.

Imagem ilustrativa da imagem Ler é o maior barato
| Foto: Divulgação

“O Fato e a Coisa” é uma grande surpresa. Pelo que se tem notícia é o único livro organizado pelo próprio Torquato Neto e permaneceu desconhecido por 40 anos em meio aos papéis e escritos que o poeta deixou. Uma primeira edição foi organizada em 2012, mas ficou mais restrita ao público de Teresina (cidade natal de Torquato). O Círculo de Poemas da editora Fósforo agora torna acessível para um público maior um Torquato Neto com a idade na qual Rimbaud elaborou sua obra poética (dos 16 aos 19 anos). É mais lírico. Aquela atmosfera carregada dos anos da barra pesada da ditadura ainda não lhe saturava a sensibilidade.


Torquato se suicidou em 1972 no auge da repressão da ditadura militar. Assinava uma coluna (Geléia Geral) no jornal Última Hora de Samuel Weiner. Em 1973 seu amigo Waly Salomão organizou pela Editora Eldorado uma coletânea de seus textos de jornal, poesias e esboços de roteiros de cinema com o título “Últimos Dias de Paupéria”. A obra seria reeditada e aumentada dez anos depois pela Max Limonad. Mais tarde seria a Torquatália, organizada em dois volumes por Paulo Roberto Pires para a editora Rocco, que apresentaria o espólio definitivo do poeta piauiense salvo e preservado por sua viúva, Ana Maria Duarte.

A poética de Torquato Neto se associa de maneira marcante à sua atividade como jornalista. Seja pelo nome de sua mais conhecida letra tropicalista “Geléia Geral” também ser o nome de sua coluna no Última Hora, como também no título de seu livro de poesia “O Fato e a Coisa” remeter a uma relação ética fundamental do jornalismo, Torquato misturava as duas coisas deliberadamente. Toda uma geração de jornalistas, escritores e artistas leu “Últimos Dias de Paupéria” como um oráculo que indicava o caminho para grandes achados, seja na poesia, nas artes ou no jornalismo. É um clássico cult absoluto da poesia e da contracultura brasileira.

Agora temos “O Fato e a Coisa” para nos assombrarmos mais uma vez com o vampiro que aparecia em super-8 com sua capa preta de forro vermelho tomando água de coco nas Dunas do Barato em Ipanema. A imagem assimilada por Torquato que atuou no filme de Ivan Cardoso, “Nosferatu no Brasil”, um clássico superoitista que é um dos nossos mais poderosos amuletos da nossa contracultura. Xô caretice obscurantista.

Torquato e Waly estão juntos de novo. Dois nomes e dois livros. Vinte anos sem Waly em maio próximo e 50 sem Torquato desde novembro do ano passado. Você lendo, assistindo e ouvindo. Estamos vivos apesar das sombras. Viva a renascença londrinense!

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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