Presto atenção aos ruídos urbanos. Moro perto de uma grande avenida, no começo e no fim do dia, na hora do rush, vou adivinhando quem são os passageiros dos veículos pelos sons. Os ônibus passam bufando, um barulho lento como um ser estressado, sempre apinhado, vulnerável ao menor obstáculo na pista, rangendo os freios que nunca têm graxa. Acharam graça? Pois saibam que a menor instabilidade, eles gritam rinnng...rooonggg, um lamento, como as pessoas que falam baixinho, sem articular direito a reclamação, como se duvidassem do próprio pedido de socorro. Também, quem socorreria um velho ônibus urbano, agonizante desde às seis da manhã? Nem gente socorrem, quem dirá um ônibus, soltando fumaça e sempre disposto a cumprir com as obrigações.

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Os ônibus passam por aqui dezenas de vezes, mais lentos que o tráfego das motocicletas. Porque, essas sim, deixam escapar ruídos irados como quem as dirige. Salvo alguma exceção, as motos são velozes e barulhentas ou dão essa impressão por ziguezaguearem no trânsito como se estivessem sempre disputando a vez, a um palmo de chão, do espaço entre a rabeira de um carro e um caminhão. Embora tenham pinta de modernas, as motos são nervosas como as minhas tias. Precisam de calmante as motocicletas, algum chá misturado à gasolina.

Dos automóveis tenho mais a dizer, assim ó, pelo barulho. Conheço o fusquinha do operário, o Fiat 147 de motorzinho lento e prestativo. Eles passam às seis da manhã e pouco depois das 18 horas. Cumprem rotina de trabalhadores, sempre batendo a biela - tá, tá, tá - sem parar, como as britadeiras, as pás de cavar buraco, os homens que limpam telhados, as mulheres que esfregam roupas.

Fusquinhas e Fiats têm uma rotina sofrida. Não têm tempo para duchas de luxo em postos de gasolina, no fim de semana ganham água e sabão ali mesmo, na garagem do cidadão que deixa a lataria brilhando e sonha com um carrão importado, como se o Fusquinha pudesse, do dia pra noite, ganhar cinzeiro auto-limpante, vidro elétrico, banco reclinável e, num piscar de olhos, abrisse, como um OVNI, um grande teto solar.

Passam ainda os sons petulantes dos carros de luxo. Será um Civic? Um Audi TT? Preciso afinar os ouvidos para discernir os ruídos dos bonitões que passam por aqui às sete horas. Outro dia apostei num Hyundai Azera, era um Jetta, soberbo ainda, mas um pouco mais modesto. Esses carros com sotaque gringo me confundem. O Azera veio da Coreia, custa uma bagatela que valeria a minha aposentadoria.

Já pensaram, eu aqui o dia inteiro na sacada, sem trabalhar, só vendo carro passar e com direito a dirigir um coreano exibido?

Eles passam aqui na minha rua quietinhos. Carro de luxo não é dado à extravagância, não bate pino, não range, não solta a biela. Vão reclamar do quê, não é mesmo?

Mas gosto de barulhos mais simpáticos, mais familiares à dona de um Pallio baratinho que nunca me deixou na mão.

Desperto mesmo às 5h30, quando passa sobre minha cabeça um avião, fiel como um vira-lata que encontra a dona, porque em Londrina sempre morei na rota das aeronaves. Quando os jatos passam, sei que o dia vai começar e não dá outra: dali a meia hora vêm as buzinas, os sons de freios, motores, carrocerias. Eita, mundinho ruidoso!

Sonolenta, e num silêncio quase dolorido, sei que é hora de pular da cama.

* Crônica publicada originalmente em 2018, com o título "Sinfonia urbana."

A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.