Li um artigo sobre a crença espírita de que nossos animais de estimação também nos recebem em outro plano quando morremos. Independentemente de nossas crenças, haver ou não vida após a morte é uma questão que permeia toda nossa existência, fundamenta religiões e instiga a filosofia.

Acho inspirador, neste momento de perdas, pensar sobre a morte indagando como será. Fiquei pensando na grande de fila de gatos que podem estar à minha espera, uma fila maior que eles alinhados esperando a ração de cada dia. Na fila também estarão muitos cachorros, reencontrar esta turma será uma felicidade.

Desde os quatro anos tenho bichos de estimação. Primeiro o Micho, um gato xadrez, um vira-latas amado. Lembro dele pendurado nos meus braços quando mal conseguia segurá-lo, andando de lá para cá, com aquele bicho mansinho que, apesar do tamanho, nunca me deu um arranhão. Ele não se desgrudava de mim, nem eu dele, devo ao Micho meu amor pelo gatos. Ele seria o primeiro da fila no meu céu ou purgatório. Porque, salvo engano, acho que não mereço o inferno.

Minha gata Preta é outra inesquecível criatura da infância. Quando não se castravam animais na mesma proporção de hoje, ela teve inúmeras crias e, quando não estava prenha, exibia um corpinho esbelto que fazia dela uma rainha da beleza, num tempo em que os concursos de miss eram muito populares. Eu pegava a Preta pelas duas patas dianteiras e ela, elegantemente, desfilava com as duas patas traseiras no muro lá de casa, sob holofotes imaginários. Quando dormia, eu enfeitava a Preta com as flores de uma trepadeira amarela que se enchia de cachos no jardim de minha mãe. Era a roupa de gala da miss. Ela também estará na fila à minha espera.

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. | Foto: Marco Jacobsen

Na idade adulta tive outros gatos. De alguns guardo a lembrança em vida, como o siamês que escalava minhas costas enquanto eu escrevia. Ou a Gatinha que subia nos móveis para espiar nas fechaduras. Ficava só aquele olho azul nos trincos da casa. Ela espantava os hóspedes, como um tio idoso que ficou assustado com aquele olhão na fechadura do quarto, às 3 da madruga. Demorou para entender que era a Gatinha, empoleirada numa mesa do outro lado da porta.

Se de alguns guardo as lembranças em vida, de um guardo o olhar na hora da morte, num quintal ensolarado, quando ele virou os olhos para céu e os azuis se fundiram. Se a imagem era poética, a perda foi dolorida.

Hoje vivem comigo a Havana, uma vira-latas, e o siamês Grafite, eles comandam a estripulia na casa. Tenho um vaso de vidro transparente com pedrinhas azuis no fundo. Num jogo de paciência, Havana tira as pedrinhas uma por uma, esticando a pata, para depois sair brincando como quem joga um futebol solitário.

Foram muitos animais de estimação. Nunca vivi sem eles e a fila do reencontro será grande. A turminha vai dobrar a esquina, espero que ronronando ou balançando os rabos de alegria. Até um dia, meus companheiros.