Perdi as contas de quantas vezes me engasguei desde a infância. Já pensei em fazer exames para saber se tenho a glote muita estreita ou se há algum erro no modo de deglutir os alimentos. Como no trânsito engarrafado sempre experimento a hora do rush, a hora em que nada flui, o momento em que alguma coisa para na minha garganta podendo até tomar rumos inesperados já que dirijo a situação como uma motorista nervosa, capaz de pegar qualquer atalho.

Desde a infância ouço histórias de crianças que se engasgaram com balas e chicletes, sou assombrada pela possibilidade de não conseguir dominar uma situação de estresse quando um farelo me coloca na 'hora do pânico.'

Na quinta-feira, pouco antes de escrever essa crônica, aconteceu. O que me deu motivos para falar sobre isso num dia em que não sabia se escreveria sobre Neiva Guedes - a bióloga brasileira premiada pela ONU porque salvou a arara-azul da extinção - ou se soltaria os cachorros em pseudo-leitores que nos ameaçam a cada vez que uma matéria não tem as cores ideológicas que imaginam para todo o noticiário que eles não presumem dentro da pluralidade dos fatos, mas adestrado segundo a sua bandeira.

Sobre a bióloga ainda vou escrever. Já sobre o pensamento adestrado desisto porque considero inúteis todos os argumentos quando pessoas se comportam como torcidas que não usam as redes sociais para dar opiniões, mas para cometer desaforos.

O engasgamento com o farelo deixou todos os meus sentidos em alerta. Como sempre, saí da mesa tossindo. Bebi água, e minha garganta continuava protestando como se eu tivesse engolido um elefante. Na verdade, o engasgo quase nunca acontece com alimentos grandes. São os farelinhos, as porções minúsculas que me fazem sair da mesa pulando como se ouvisse a bateria da Mangueira, mas sem tanta alegria.

Já protagonizei cenas ridículas, como sair correndo para o quarto e pular em cima da cama quando me engasguei com uma espinha de peixe. Logo, todos os convidados da festa também correram para o quarto para ver a doida, ops, a dona da casa, saracoteando como uma enguia para se livrar do obstáculo. O pânico foi maior porque sempre tive pavor de espinha de peixe, sobre ela fui alertada muitas vezes por minha mãe que nos ensinava a destrinchar cada pedaço. Mas sempre me engasgo com merluzas e sardinhas.

Na quinta-feira, o farelo ficou muito tempo na minha garganta, subia e descia, mas não desaparecia, mesmo com vários goles d'água. Depois de muitos "hã hães" para desobstruir o fluxo, sentei-me para escrever porque é sempre melhor manter a calma nas tempestades. A cada palavra, o danado me lembrava que ainda estava presente e foi preciso muita paciência para esperar o farelo amolecer naturalmente, até ser imperceptivelmente deglutido como uma ostra.

Agradeci aos céus pelo alívio e, ainda com a garganta arranhada, prometi não me distrair enquanto me alimento. Na hora da refeição, o truque é não pensar em coisas ruins como farelos e pessoas que só existem para obstruir o trânsito.