A leitora C.H. diz que pendura minhas crônicas na porta da geladeira para reler enquanto frita bifes. Fico imaginando os retalhos de jornal como

bandeirinhas, pregados com imã, fazendo companhia a ovos, leite, manteiga que ficam do outro lado da porta.

A “vizinhança” é boa, já encontrei meus textos em lugares bem piores. Como “embalagem clássica” de peixes, forrando caixas de tartarugas ou gaiolas de passarinhos, que caca! Vocês nem imaginam o que é ter ideias que depois vão forrar gaiolas.

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O destino de um texto ninguém sabe, nem mesmo as ciganas do Calçadão. Elas sempre dizem que o meu futuro será maravilhoso. Mas o dos

textos, nem sempre. Depois que alguém passa os olhos por eles, podem tomar rumos inesperados e não há cigana que dê jeito. Já vi reportagens inteiras enrolando cravos de defuntos, porque os buquês de senhoritas ganham papéis mais nobres, sedas e celofanes.

Nos jornais, depois de pensar e repensar assuntos, escrever e editar matérias, sabemos que elas têm apenas um dia de futuro. Depois ficam por aí,

besuntadas de gordura, cheias de poeira, mastigadas como papel reciclável.

Mas vão as páginas e acho que ficam as palavras porque às vezes alguém pergunta: “Não é você que escreve no jornal?” Respondo que sim bem

baixinho, nunca sei se vem elogio ou bronca. E passei da idade de imaginar que todos concordam com o que escrevo. Leitores são tão instáveis. Às vezes te confundem com os textos e acham que tudo que leem é a mais pura verdade.

No caso das crônicas, a gente sempre dá asas à imaginação ou não teria a menor graça. De realistas bastam as páginas da polícia ou de política.

Prefiro ficar engendrando textos “bipolares”, metade mentira, metade verdade, conforme meu estado de espírito.

Gostei mesmo quando um catador de papel se engraçou com uma crônica. Parou na avenida com aquele carrinho pesado e desamassou o jornal

como que alisa um pergaminho. Nunca pensei encontrar na rua um leitor tão atento. Melhor que isso só mesmo aquelas figuras que param para ler nas bancas de jornais, deleitando-se apenas com as manchetes, mesmo em tempos digitais. E xingam o governo, criticam os impostos, sonham com a mega, depois vão embora como quem sai de uma sessão de psicanálise sem pagar um tostão. Vejam só como a leitura melhora o humor da gente. Mas, às vezes, desanda de vez.

Gosto também de quando os jornais viajam, esquecidos nos ônibus, circulando de mão em mão, de uma cidade a outra, sem pagar passagem. E

digo isso porque alguns textos adquirem identidades próprias, são tão vivos, só faltam respirar, ficam ali viajando, fazendo companhia às pessoas, diminuindo o tédio, ajudando a passar o tempo. Até que alguém implica com eles, os enrola e atira na lixeira. Eita, gente ruim! Não sabem como é delicado o ofício de quem alinha palavras. Seríamos muito mais solitários sem as letras.

Mas fiquei mesmo brava quando vi um goleirão de várzea forrando as chuteiras com um texto meu. Não aguentei e fui falar com ele. O homem nem “tchun”. Deu de ombros e disse: “Que é isso moça? Nem sei o que tem aí dentro, jornal é sempre igual”. E o texto ficou lá, enrolado naquele sufoco.

Lembrei das ciganas e lhe roguei uma praga. Não deu outra, o cara levou três gols. Quem disse que o futuro não pode ser maravilhoso?

(Crônica publicada originalmente em fevereiro de 2008.)

* A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.