Minissérie 'Fim', de Fernanda Torres, termina de forma realista
Baseada no livro de estreia da atriz, série mostra os conflitos e tabus da masculinidade, como a impotência e a infertilidade
PUBLICAÇÃO
sábado, 25 de novembro de 2023
Baseada no livro de estreia da atriz, série mostra os conflitos e tabus da masculinidade, como a impotência e a infertilidade
Celia Musilli
"Fim", livro de estreia de Fernanda Torres, publicado pela Companhia das Letras, foi adaptado para uma minissérie que teve seus últimos dois episódios exibidos pelo Globoplay na quarta-feira (22). A série completa já pode ser assistida pelos assinantes do streaming que gostam de histórias de época, ainda mais quando discutem temas contemporâneos.
"Fim" traz a história de cinco amigos no Rio de Janeiro - a série começa em 1968 e termina em 2012 - refletindo valores que a juventude de Copacabana cultivava nem sempre carregada pelos ventos das transformações culturais e dos comportamentos de vanguarda.
Para quem passou a juventude em bando - me incluo na categoria - a série é um retrato das diferenças marcantes entre amigos, tanto os "certinhos", representados pelo personagem Neto, bem casado com Célia, como os libertários como Sílvio, casado e divorciado de Norma, que cabe direitinho nos excessos dos anos 1960-70, tocados tanto pela liberdade sexual conquistada quanto por atitudes permissivas ou mesmo promíscuas, coroadas por personalidades egoístas, sob um certo ponto de vista, quanto se trata do seu próprio prazer. Num jargão popular, Sílvio encarna aquela "tranqueira" que algumas mulheres têm ou tiveram por marido. Bem situado socialmente, funcionário de um banco graças às influências do pai, Sílvio é o "machista moderno" ligado à diversão, drogas e orgias, mas incapaz de construir uma relação de amor até mesmo com os filhos. Sua construção afetiva é totalmente tóxica, inclusive com os amigos.
O personagem central é Ciro (Fábio Assunção), através dele, a série põe o dedo na ferida de tabus como a esterilidade masculina, que se transforma em preconceito e razão da tragédia familiar que se desenha no seu casamento com Ruth (Marjorie Estiano). Eles são a representação viva do casal que se ama, mas se torna prisioneiro da obrigatoriedade de ter filhos - num tempo em que as adoções e os procedimentos de fertilização não eram tão comuns como hoje - e a falta de filhos é causa de muita infelicidade, um círculo vicioso de mentiras, e da derrocada da história de amor.
Há muito a dizer sobre esses valores a partir da ótica da autora que traça a vida de quatro casais e de um solteiro frustrado por um amor impossível, caso do personagem Ribeiro. Falar mais sobre isso, ou sobre a série, beiraria ao spoiler. Mas quem ainda não viu, não deve perder a galeria de personagens cujos conflitos se aproximam das vivências de todos nós.
O elenco traz Thelmo Fernandes (Álvaro), David Junior (Neto), Débora Falabella (Irene), Emilio Dantas (Ribeiro), Heloisa Jorge (Célia), Bruno Mazzeo (Silvio), Fabio Assunção (Ciro), Marjorie Estiano (Ruth) e Laila Garin (Norma).
A história de Álvaro mostra um homem bom e conformado com sua impotência sexual - outro tema tabu- que vive um casamento em frangalhos, desde o início, com Irene. Sua trajetória é mais um um dedo na ferida da masculinidade sofrida que os padrões machistas impõem aos homens que não processam problemas íntimos, reduzindo suas vidas às migalhas que "merecem", a partir da falta de autoestima.
Com direção artística de Andrucha Waddington - marido de Fernanda Torres - e direção de Daniela Thomas, a minissérie é o retrato dos conflitos de uma geração que pode ser analisada até hoje sob a ótica dos avanços e preconceitos, excessos e conquistas que representam, igualmente, o despreparo para a vida, com os contornos trágicos de vivências individuais que espelham conflitos coletivos. "Fim" toca em amores e perdas, amizades e rivalidades, liberdade e risco, vida e morte.
Recomendo!