Foi automático. Uma pessoa entrou na redação e estendi a mão num gesto de simpatia, mas imediatamente percebi que tinha cometido uma gafe. Hoje, o gesto que faz parte da nossa educação deve ser evitado. Nada de cumprimentar vizinhos e amigos, pedir a benção pra vó nem pensar, beijinhos a gente sopra à distância, fazendo biquinho para deixar claro que não é uma careta.

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. | Foto: Marco Jacobsen

Apesar do momento gravíssimo, meu senso de humor não me abandona, tenho me flagrado nas ruas como uma alienígena em planeta estranho. Nas calçadas driblo pessoas como se estivesse num jogo de futebol realizando passes, tomo distância, dois metros é bom, três melhor ainda, mas enquanto driblo um já trombei com outro.

Nos bancos tenho arrepios se alguém tossir ao meu lado. Se espirrar ergo as sobrancelhas e reviro os olhos como aquele meme do cachorro desconfiado. Quando eu mesma espirro noto que já estou adestrada, não levo mais as mãos à boca, mas ao antebraço e, conforme o gesto, me sinto um ninja exercitando um golpe. Braço na boca, olhos fechados, o lado direito do corpo não combina com o esquerdo, aí já virei uma acrobata. E para me sentar, sem tocar em nada, me sinto um quadrúpede.

Duro é segurar os filhos jovens. No sábado, enquanto a gente verifica se ainda tem álcool em gel, eles estão no celular combinando a balada com cerveja, já disse a eles que não são invulneráveis ao coronavírus, mas quem morre mesmo é a mãe! Que nem barata. Mãe descendente de italianos então, morre duas vezes ao dia, fazendo o maior o drama antes do "falecimento". Grito e gesticulo para falar dos riscos, o vizinho pensa que eu estou vendendo alguma coisa enquanto brado: "Vocês estão me liquidando!"

Para eles, sou a mãe dos exageros. Não entendem que por ser jornalista chego antes às estatísticas, checo os números, deixei de ir à missa, me despedi dos cinemas no último fim de semana, parecendo a prima-dona que se despede da ópera, com ar dramático e um nó na garganta. Implorei ao filho que mora em Minas que viesse logo, perdeu o bonde. Os ônibus interestaduais não circulam mais e se ele quiser vir será de carona, já avisei que se contratar carona com maluco vou ficar preocupada.

Perdemos o sossego. Acabou a paz. Quem diria que um bichinho que a gente nem enxerga, um vírus, faria tanto estrago. Pensar que a gente só pode ver o maldito num microscópio me deixa cismada, imaginando o risco invisível que me cerca nas ruas, nos bancos, nos supermercados, na farmácia, no copo, no celular. Que bicho onipresente!

De tanto usar álcool em gel, o filho que mora comigo já me chamou de alcoólatra: "Você está viciada nesse frasquinho, mãe!" Pareço uma bêbada atrás de uma garrafa de rum. Mas não há de ser nada, a humanidade já superou muitos vírus e bactérias, ganhou a guerra, mas não custa lembrar que o meio ambiente exige respeito quando a espécie humana excede na sua prepotência. Quando devastamos florestas, abusamos de outras espécies, os vírus saem da caixinha de Pandora para mostrar quem manda no planeta. A gente precisa aprender a lição.

Por ora, sei que vou continuar assombrada com esses seres minúsculos que não enxergamos, mas nos atacam, enquanto a gente se vira como pode, bancando um ninja sem treinamento. Estamos vendo a revolta dos pequenos, muito mais potentes que nossa arrogância.