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. | Foto: Marco Jacobsen

Dizem que devemos agradecer às coisas que amamos, que foram úteis, melhoraram nossa existência e devemos abandonar, porque nada é permanente. Sempre dediquei textos a Londrina, especialmente ao centro, onde moro há quase sete anos, desde que voltei para cá, depois de passar alguns anos em Campinas.

Em Londrina, já escrevi sobre as garças e os quero-queros em formação artística - como um ying/ yang , preto e branco, nas árvores das pequenas ilhas dos lagos - escrevi sobre os urubus, os carros e também sobre as rotas dos aviões. Esses textos formam as crônicas urbanas que têm Londrina como personagem.

Apreciadora da zona rural, acabei elegendo a cidade como cenário porque me identifico com ela como uma baudelaireana fora de época. Transformei-me em flâneur em pleno século 21, absorvida pela visão das avenidas, dos edifícios e das galerias.

Nos últimos anos vivi na Galeria do Villa Rica, vizinha da Folha de Londrina, onde cotidianamente vi a paisagem do Bosque que agora se desmancha com a reforma, assim como se desmancha a minha moradia neste edifício de onde devo me mudar. As transformações da cidade e da vida pessoal têm uma estranha conexão. Foram manhãs e tardes vendo o nascer e o pôr-do-sol entre os galhos da última peroba altiva do Bosque, a árvore-mãe que sobrou depois de quase cem anos de civilização.

Agora, quando cortam as árvores, cimentam passagens, espantam as pombas e outras aves com luzes fortes e "bombardeios" noturnos - o barulho das bombas e das asas das pombas se misturam todas as noites - chegou também a minha vez de ir embora, de me mudar para outro ponto do centro, porque já não me identifico com outras paisagens se não essa, com a pulsação do trânsito, os personagens do Calçadão, o silêncio ilusório dos edifícios vistos de fora, onde famílias inteiras moram há décadas e de onde ecoam conversas, portas batendo, móveis sendo arrastados e risadas de crianças.

Tem muita gente na torcida pelas mudanças no Bosque, a que chamam "revitalização". Como cidadã e poeta vejo mesmo é a passagem do tempo, das árvores sendo cortadas para, no futuro, a paisagem se transformar num cartão-postal inóspito. Não acredito muito no potencial de transformação para um futuro melhor. As pombas não irão embora, enquanto se alimentarem de lavouras infinitas de grãos, sem matas na zona rural para lhes servir de abrigo à noite. Elas continuarão migrando para a cidade, como todos os migrantes dos últimos cinquenta anos exilados de seus sítios. Dizem que os pombos trazem doenças, é verdade, mas a maior doença contemporânea é o desequilíbrio ambiental, no limite das cidades com as monoculturas de grãos. Um problema insolúvel enquanto não se pensar na sua "raiz" e não apenas no corte das árvores.

Haverá outras paisagens, outros ângulos para o nascer e o pôr-do-sol. Mas o último sentimento que devemos dedicar aos lugares importantes onde vivemos é a gratidão. Que venham novas pessoas para apreciar a ternura e constatar a violência, que sintam a pulsação do trânsito e vejam os personagens de uma das esquinas mais movimentadas de Londrina, a confluência da Av. Rio de Janeiro com a rua Piaui. E que convivam como pombas, bem-te-vis, urubus, pardais e gaviões, harmoniosamente. Essa é a grande lição que eles nos deixam. O resto é gratidão e a certeza de que tudo muda, porque a transitoriedade é parte inexorável da VIDA, às vezes com ganhos, às vezes com perdas.