O Brasil vive no momento a polêmica do chamado marco temporal: de um lado, os indígenas reivindicando o direito sobre suas terras, afinal, o território, antes de todos os colonizadores chegarem aqui, já pertencia a eles, que foram aos poucos sendo expulsos e dizimados, tendo suas terras ocupadas. De outro lado, o entendimento “legal” de que o direito ao território só valeria para os índios se eles estivessem nele até 1988, ano da promulgação da Constituição Federal.

Ocorre que o artigo 231 da Constituição Federal diz: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. O texto, na verdade, não fala nada sobre datas. Esse entendimento foi acatado quando o STF, em 2009, invocou a data da Constituição – de 1988 – para resolver um conflito na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, dando parecer favorável aos povos originários. Mas não há data na Constituição, há o direito à terra pelos indígenas que a ocupam e também aos que foram expulsos por posseiros, porque não custa refrescar a memória dos “desentendidos” sobre o fato de que muitos territórios foram invadidos com a expulsão dos seus habitantes originais, por isso muitas tribos não estavam lá em 1988.

O marco temporal teve seu texto-base aprovado pelo Congresso na última terça-feira (30), sob protestos. O texto ainda deverá passar pelo Senado e pela sanção do presidente da República, mas reedita o pesadelo de milhares de indígenas que esperam há décadas pela demarcação de suas terras, ao todo, são 303 territórios à espera de demarcação. Um processo demorado, paralisado por muitos governos, ignorado de propósito por muitas autoridades que sempre ganham tempo na hora de dar direitos ao índio, em favor de ocupações discutíveis, que destroem o meio ambiente, como é facilmente identificado em grandes extensões de terras no centro-oeste e no norte do Brasil, só para ficar nestes dois exemplos. São milhares de hectares com matas derrubadas para serem substituídas por pastagens, por exemplo, depois sucessivamente abandonadas enquanto os “empreendedores” seguem em frente, derrubando mais florestas. Vi isso no Maranhão, Pará, Mato Grosso, Goiás. Sou testemunha dessa destruição.

Em grande parte, se ainda existem florestas em pé no Brasil é graças aos indígenas. Mas para os 283 deputados que votaram a favor do marco temporal – foram 155 contra – isso não conta. Eles fariam melhor se votassem leis sobre terras já degradadas para recuperá-las, há pesquisa e tecnologia para isso. Mas a preferência é por tomar mais dos indígenas, até sua expulsão total de certas áreas.

Na contramão, os indígenas se organizam como podem. Peço atenção, neste fim de semana, para os Jogos Indígenas que vão acontecer no Aterro do Igapó, em Londrina, reunindo caingangues e guaranis para competições e manifestações culturais. Abram os olhos para a beleza dessa cultura muitas vezes condicionada à miséria pela ambição dos que só veem a terra como lucro, não como habitat ou solo sagrado onde viveram seus ancestrais.

Olhem os indígenas com menos preconceito, com menos rótulos, que incluem xingamentos e palavras como “preguiçosos” ou “vagabundos”. Os índios não são isso, eles têm sua própria cultura, pouco compreendida por quem só a vê terra motivado por um “desenvolvimento” que gera dinheiro à custa de degradação física e cultural, pela expulsão e matança de nações indígenas, brasileiros que merecem respeito e reverência.

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A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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