Na redação da FOLHA, sobre a mesa da editoria de Cultura, sempre encontro livros. Com ou sem dedicatórias, eles chegam constantemente, trazendo o espectro de ideias e sentimentos de cada autor.

Alguns escritores têm a expectativa de ver publicada alguma matéria sobre a sua obra, outros simplesmente enviam livros sem expectativa nenhuma, sabem que os livros só cumprem seu destino quando compartilhados. Autor e leitor têm cumplicidade na continuidade da escrita que se torna leitura.

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Esta semana, dois livros chegaram simultaneamente. Um deles num envelope de papel craft, outro num envelope branco, ambos sem dedicatórias, ato impessoal não fosse a conexão que a editora Grafatório tem com Londrina, da mesma forma que Francisco Gregori Júnior, o cirurgião cardíaco que agora costura corações com poesia.

O livro "Galáxia Floresce na Primavera", do poeta japonês Nanao Sakaki, foi publicado pela Grafatório neste inverno e traz todas as estações que couberam na vida do autor que foi soldado na Segunda Guerra, responsável pelos radares que detectaram os aviões norte-americanos que bombardearam Hiroshima e Nagasaki, como informa a resenha de Marcos Losnak, publicada na página Leitura da FOLHA, no dia 2 agosto. O bombardeio impactou de tal forma a vida de Sakaki após a guerra que ele mudou seus rumos, deixou o exército, virou andarilho e se tornou o que se pode chamar de "primeiro poeta beat japonês", sendo citado inclusive por outro poeta beat, o norte-americano Gary Snyder do qual foi reproduzido um texto na abertura do livro organizado por Felipe Melhado e ilustrado por Guilherme Geraes numa belíssima edição artesanal.

O livro de Francisco Gregori Júnior, "O Quarto Quarto", publicado pela Ibis Libris, do Rio de Janeiro, acaba de ser lançado, uma edição delicadamente ilustrada, página a página, num projeto gráfico de Romildo Gomes.

Mas o que um poeta beat japonês tem a ver com um autor local? O que une poemas escritos no Japão com outros escritos nos trópicos? Para um leitor atento, a resposta é a natureza, redimensionada em poemas curtos, que se encontram em diferentes estações do ano.

Nanao Sakaki escreve:

depois da primeira neve

Do chão

a neve surge.

Ao céu

a neve retorna.

No fim do universo

a vida começa.

No vento

o tempo caminha.

*

Francisco Gregori Júnior escreve:

Seguia a vida

contra o vento,

na estrada

que não levava

a nada.

De vento em vento, dois livros me sopraram ideias esta semana.

* A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.