Perder uma prima é perder também um pedaço da infância, a fatia do bolo de aniversário, o sapatinho da boneca, a gelatina aos sábados, os artesanatos de espuma, os bichos de pelúcia, a foto da Primeira Comunhão.

Perder uma prima é perder o passeio na pracinha, a coleção de esmaltes na penteadeira, a opinião sobre o vestido de formatura, a ida ao cinema, a caminhada subindo a principal avenida de Cornélio Procópio até chegar àquele portão que levava a uma casa graciosa, onde a família deixava tudo arrumadinho, num capricho que só se vê no lar das pessoas afetivas.

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Perder uma prima é lembrar de uma das primeiras fotografias da infância, com quase todas reunidas no quintal da vó, elas loiras, eu morena, num jardim que começava com vasos espalhados até a varanda de madeira.

Perder uma prima é lembrar dias ensolarados, o sorriso gigante que ela sempre teve no rosto, a mais feliz de nós, com sua simplicidade e o amor sem medidas.

Perder uma prima é perder também uma parte da adolescência, os primeiros jogos num ginásio lotado, a caminhada íngreme para chegar ao Cristo Rei, eternamente em bronze, abençoando a cidade que se espalha como um presépio.

Perder uma prima é perder o som do rádio tocando a última música de Roberto Carlos, o programa de TV nas tardes de domingo, o bolo de fubá na hora do lanche e o cheiro de café que inundava nossas casas e nossas vidas.

Perder uma prima é saber que ela não estará na próxima reunião da família, com os olhos apertados de tanto rir das brincadeiras, saber que não haverá mais brindes com aquela doce figura segurando um copo, enquanto derrubo o guaraná ou a garrafa de cerveja com ela ali, achando graça de tudo, e desculpando nossos erros.

Perder uma prima é saber que, desta vez, ela não se mudou para Patos de Minas nem para Itajaí, onde faleceu na última segunda-feira. É saber que não me contará mais como vivem os mineiros nem os catarinenses, impedida de falar também o que se encontra, afinal, na eternidade.

Perder uma prima é ficar em oração em casa no dia do sepultamento, com essas histórias passando pela cabeça em câmera lenta ou na velocidade da vida que leva tudo o que não volta, mas deixa lembranças sem tempo ou de um outro tempo, que colecionamos como figurinhas de amor, ainda que a gente adie os encontros até saber da morte.

Perder uma prima é rebobinar lembranças como um filme e oferecer às pessoas, como ofereço esta crônica a Maria Cristina Alberini Ruza, a prima que faleceu esta semana, mas viverá para sempre na mágica da vida eterna que preserva todos os momentos, ainda que ela não esteja mais aqui.